sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

João Paton Missionário aos antropófagos (1824-1907)


João Paton
 Missionário aos antropófagos

(1824-1907)
Perto de Dalswinton, na Escócia, morava um casal co­nhecido em toda a região como os velhos Adão e Eva. A esse lar veio em visita uma sobrinha, Janete Rogerson. É de supor-se que não houvesse muita coisa na casa isolada dos velhos para distrair a jovem, sempre viva e alegre. Mas uma coisa atraiu-lhe o interesse: um rapaz chamado Tiago Paton, que entrava, dia após dia, no matagal perto da ca­sa. Levava sempre um livro na mão, como se fosse ali para estudar e meditar. Certo dia, a moça, vencida pela curiosi­dade, entrou furtivamente por entre as árvores e espiou o rapaz recitando os Sonetos Evangélicos de Erskine. A sua curiosidade tornou-se em santa admiração quando o jo­vem, deixando o chapéu no chão, ajoelhou-se debaixo duma árvore para derramar a alma em oração perante Deus. Ela, espírito de brincalhona, avançou e pendurou o chapéu em um galho que estava próximo. Em seguida es­condeu-se onde podia, sem ser vista, para presenciar o ra­paz perplexo, a procurar o chapéu. No dia seguinte a cena se repetiu. Mas o coração da moça comoveu-se ao ver a perturbação do rapaz, imóvel por alguns minutos com o chapéu na mão. Foi assim que ele, ao voltar no dia seguin­te ao lugar onde se ajoelhava diariamente, achou um car­tão preso na árvore. No cartão leu: "A pessoa que escondeu seu chapéu confessa-se sinceramente arrependida de tê-lo feito e pede que ore, rogando a Deus que a torne crente tão sincera como o senhor".

O jovem fitou por algum tempo o cartão esquecendo-se completamente naquele dia dos sonetos. Por fim, tirou o cartão da árvore. Estava reprovando a si mesmo e à sua es­tupidez por não saber que fora um ser humano quem es­condera o chapéu duas vezes, quando, por entre as árvores, uma moça, balde na mão e cantando um hino escocês, pas­sou na frente da casa do velho Adão.

Naquele momento, o moço, por instinto divino e tão in­falivelmente, como por qualquer voz que jamais falara a um profeta de Deus, sabia que a visita angélica que invadi­ra seu retiro de oração fora a gentil e hábil sobrinha dos ve­lhos Adão e Eva. Tiago Paton ainda não conhecia Janete Rogerson, mas ouvira falar nas suas extraordinárias quali­ficações intelectuais e espirituais.

E provável que Tiago Paton começasse a orar por ela -em um sentido diferente daquele que ela pedira. De qual­quer forma, a moça furtara não somente o chapéu do ra­paz, mas também, o seu leal coração - um furto que resul­tou, por fim, no casamento dos dois.

Tiago Paton, fabricante de meias no condado de Dunfries, e sua esposa Janete, andavam, como Zacarias e Isa­bel na Antiguidade, irrepreensíveis perante o Senhor. Ao nascer-lhes o primogênito, deram-lhe o nome de João, dedicando-o solenemente a Deus, com oração, para ser mis­sionário ao povos que não tinham oportunidade de conhe­cer a Cristo.

Entre a casa própria, em que morava a família dos Patons, e a parte que servia de fábrica, havia um pequeno aposento. Acerca desse quarto, João Paton escreveu:

"Era o santuário de nossa humilde casa. Várias vezes ao dia, geralmente depois das refeições, o nosso pai entra­va nesse quarto e, 'fechada a porta', orava. Nós, seus filhos, compreendíamos, como se fosse por instinto espiri­tual, que se derramavam orações por nós, como fazia na antiguidade o sumo sacerdote, quando entrava no Santo dos Santos, em favor do povo. De vez em quando se ouvia o eco duma voz em tons de quem suplica pela vida; passáva­mos pela porta nas pontinhas dos pés, de modo a não per­turbar a santa e íntima conversação. O mundo lá fora não sabia de onde vinha o gozo que brilhava no rosto de nosso pai, mas nós, seus filhos, o sabíamos: era o reflexo da pre­sença divina, que era sempre uma realidade para ele na vida cotidiana. Nunca espero, quer num templo, quer nas serras, quer nos vales, sentir Deus mais perto, mais visível, andando e conversando mais intimamente com os homens do que naquela humilde casa coberta de palha. Se, por uma catástrofe indizível, tudo quanto pertence à religião fosse apagado da memória, minha alma reverteria de novo ao tempo da minha mocidade: ela fechar-se-ia naquele santuário e, ao ouvir novamente os ecos daquelas súplicas a Deus, lançaria para longe toda a dúvida com este grito vitorioso: 'Meu pai andava com Deus; porque não posso eu também andar?'".

Na autobiografia de João Paton, vê-se que as suas lutas diárias eram grandes. Mas o que lemos abaixo revela qual a força que operava para que ele sempre avançasse na obra de Deus.

"Antes, realizava-se culto doméstico na casa de meus avós somente aos domingos, mas meu pai convenceu pri­meiro a minha avó a orar, ler um trecho da Bíblia e cantar um hino diariamente, pela manhã e à noite; depois todos os membros da família seguiram esse costume. Foi assim que meu pai começou, aos dezessete anos de idade, o ben­dito costume de fazer cultos matutinos e vespertinos em casa; costume que observou, talvez sem uma única exce­ção, até se achar no leito de morte, com setenta e sete anos de idade, quando, no último dia da sua vida, uma passa­gem das Escrituras foi lida, e ouviu-se sua voz na oração. Nenhum dos filhos se recorda de um só dia que não fosse assim santificado; muitas vezes havia pressa em atender a um negócio; inúmeras vezes chegavam os amigos, mas nada impedia que nos ajoelhássemos em redor do altar familiar, enquanto o 'sumo sacerdote' dirigia as nossas ora­ções a Deus e se oferecia a si mesmo e a seus filhos ao mes­mo Senhor. A luz de tal exemplo era uma bênção, tanto para o próximo, como para a nossa família. Muitos anos depois, contaram-me que a mais depravada mulher da vi­la, uma mulher da rua, mas depois salva e transformada pela graça divina, declarou que a única coisa que evitou o seu suicídio foi que, numa noite escura, perto da janela da casa de meu pai, ouviu-o implorando no culto doméstico, que Deus convertesse 'o ímpio do erro do seu caminho e o fizesse luzir como uma jóia na coroa do Redentor'.' Vi', dis­se ela, 'como eu era um grande peso sobre o coração desse bom homem e sabia que Deus responderia à sua súplica. Foi por causa dessa certeza que não entrei no Inferno e que achei o único Salvador'".

Não é de admirar que, em tal ambiente, três dos onze filhos de Tiago Paton: João, Valter e Tiago, fossem cons­trangidos a dar suas vidas à obra mais gloriosa, a de ga­nhar almas. Não julgamos estar esse ponto completo sem lhe acrescentar mais um trecho dessa autobiografia:

"Até que ponto fui impressionado nesse tempo pelas orações de meu pai, não posso dizer, nem ninguém pode compreender. Quando de joelhos, e todos nós ajoelhados em redor dele no culto doméstico, ele derramava toda a sua alma em oração, com lágrimas, não só por todas as ne­cessidades pessoais e domésticas, mas também pela con­versão da parte do mundo onde não havia pregadores para servirem a Jesus, sentíamo-nos na presença do Salvador vivo e chegamos a conhecê-lo e a amá-lo como nosso Amigo divino. Ao levantarmo-nos da oração, eu costumava olhar para a luz do rosto do meu pai e cobiçava o mesmo espíri­to; anelava, em resposta às suas orações, pela oportunida­de de me preparar e sair, levando o bendito Evangelho a uma parte do mundo então sem missionários".

Acerca da disciplina do lar, eis o que ele escreveu: "Se houvesse algo realmente sério para corrigir, meu pai se re­tirava primeiramente para o quarto de oração e nós com­preendíamos que ele levava o caso a Deus; essa era a parte mais severa do castigo para mim! Eu estava pronto a enca­rar qualquer penalidade, mas o que ele fazia penetrava na minha consciência como uma mensagem de Deus. Amáva­mos ainda mais o nosso pai ao ver quanto tinha de sofrer para nos castigar, e, de fato, tinha muito pouco a castigar-nos, pois - dirigia a todos nós, onze filhos, muito mais pelo amor do que pelo temor".

Por fim chegou o dia em que João tinha de deixar o lar paterno. Sem o dinheiro para a passagem e com tudo que possuía, inclusive uma Bíblia embrulhada num lenço, saiu a pé para trabalhar e estudar em Glasgow. O pai o acom­panhou até uma distância de nove quilômetros. O último quilômetro, antes de se separarem um do outro, os dois ca­minhavam sem poderem falar uma só palavra - o filho sa­bia pelo movimento dos lábios do pai que este orava em seu coração por ele. Ao chegarem ao lugar combinado para se separarem, o pai balbuciou: "Deus te abençoe, meu fi­lho! O Deus de teu pai te prospere e te guarde de todo o mal". Depois de se abraçarem, o filho saiu correndo en­quanto o pai, em pé, no meio da estrada, imóvel, o chapéu na mão e com lágrimas correndo pelas faces, continuava a orar em seu coração.

Alguns anos depois, o filho testificou de que essa cena, gravada na sua alma, o estimulava como um fogo inextin­guível a não desapontar o pai no que esperava dele, seu fi­lho, que seguisse o seu bendito exemplo de andar com Deus.

Durante os três anos de estudos em Glasgow, apesar de trabalhar com as próprias mãos para se sustentar, João Paton, no gozo do Espírito Santo, fez uma grande obra na seara do Senhor. Contudo, soava-lhe constantemente aos ouvidos o clamor dos selvagens nas ilhas do Pacífico e isso foi, antes de tudo, o assunto que ocupava as suas medita­ções e orações diárias. Havia outros para continuar a obra que fazia em Glasgow, mas quem desejava levar o Evange­lho a esses pobres bárbaros?!

Ao declarar sua resolução de trabalhar entre os antro­pófagos das Novas Hébridas, quase todos os membros da sua igreja se opuseram à sua saída. Um muito estimado ir­mão assim se exprimiu: "Entre os antropófagos! será co­mido por eles!" A isso João Paton respondeu: 'O irmão é muito mais velho que eu, breve será sepultado e comido por vermes; declaro ao irmão que, se eu conseguir viver e morrer servindo o Senhor Jesus e honrando o seu nome, não me importarei ser comido por antropófagos ou por ver­mes; no grande dia da ressurreição, o meu corpo se levan­tará tão belo como o seu, na semelhança do Redentor res­suscitado".

De fato, as Novas Hébridas haviam sido batizadas com sangue de mártires. Os dois missionários, Williams e Har­ris, enviados para evangelizar essas ilhas, poucos anos an­tes desse tempo, foram mortos a cacetadas, e seus cadáve­res cozidos e comidos. "Os pobres selvagens não sabiam que assassinavam seus amigos mais fiéis; assim os crentes em todos os lugares, ao receberem as notícias do martírio dos dois, oraram com lágrimas por esses povos."

E Deus ouviu as súplicas, chamando, entre outros, a João Paton. Porém, a oposição à sua saída era tal, que ele resolveu escrever a seus pais; pela resposta veio a saber que eles o haviam dedicado para tal serviço, no dia do seu nas­cimento. Desde esse momento, João Paton não mais duvi­dou da vontade de Deus, e assentou no seu coração gastar a vida servindo aos indígenas das ilhas do Pacífico.

O nosso herói conta muitas coisas de interesse acerca da longa viagem à vela para as Novas Hébridas. Quase no fim da viagem, quebrou-se o mastro do navio. As águas os levavam lentamente para Tana, uma ilha de antropófagos, onde a bagagem teria sido saqueada e todos a bordo cozi­dos para serem comidos. Contudo, Deus ouvira suas súpli­cas e alcançaram uma outra ilha. Alguns meses depois, fo­ram à mesma ilha de Tana, onde conseguiram comprar o terreno dos silvícolas e edificar uma casa. Comove o cora­ção ler que construíram a casa sobre os mesmos alicerces lançados pelo missionário Turner, quinze anos antes, o qual teve de fugir da ilha para escapar de ser morto e comi­do pelos selvagens.

Acerca da sua primeira impressão sobre o povo, Paton escreveu: "Fui levado ao maior desespero. Ao vê-los na sua nudez e miséria, senti tanto horror como compaixão. Eu ti­nha deixado a obra entre os amados irmãos em Glasgow, obra em que sentia muito gozo, para dedicar-me a criatu­ras tão degeneradas. Perguntei-me a mim mesmo: - 'É possível ensiná-las a distinguir entre o bem e o mal, e levá-las a Cristo, ou mesmo a civilizá-las? Mas tudo isso eram apenas sentimentos passageiros. Logo senti um desejo tão profundo de levá-los ao conhecimento e amor de Jesus, como jamais sentira quando trabalhava em Glasgow .

Antes de completar a casa em que o casal Paton iria morar, houve uma batalha entre duas tribos. As mulheres e crianças fugiram para a praia onde conversavam e riam ruidosamente, como se seus pais e irmãos estivessem ocu­pados em algum trabalho pacífico. Mas enquanto os selva­gens gritavam e se empenhavam em conflitos sangrentos, os missionários entregavam-se à oração por eles. Os cadá­veres dos mortos foram levados pelos vencedores a uma fonte de água fervente, onde foram cozidos e comidos. A noite ainda se ouvia pranto e gritos prolongados nas vilas em redor. Os missionários foram informados de que um guerreiro, ferido na batalha, acabara de morrer em casa. A sua viúva foi estrangulada imediatamente, conforme o cos­tume, para que o seu espírito acompanhasse o do marido e lhe continuasse a servir de escrava.

Os missionários, então, nesse ambiente da mais repug­nante superstição, da mais baixa crueldade e da mais fla­grante imoralidade, esforçavam-se para aprender a usar todas as palavras possíveis desse povo que não conhecia a escrita. Anelavam falar de Jesus e do amor de Deus a esses seres que adoravam árvores, pedras, fontes, riachos inse­tos, espíritos dos homens falecidos, relíquias de cabelos e unhas, astros, vulcões, etc.

A esposa de Paton era uma ajudadora esforçada e den­tro de poucas semanas reuniu oito mulheres da ilha e as instruía diariamente. Três meses depois da chegada dos missionários à ilha, a esposa de Paton faleceu de maleita e um mês depois o filhinho também morreu. - Quem pode avaliar as saudades de Paton, durante os anos que traba­lhou sem ajudadora em Tana?! Apesar de quase haver morrido também de maleita, de os crentes insistirem para que voltasse à sua terra, e de os indígenas fazerem plano após plano de matá-lo para o comerem, esse herói perma­neceu orando e trabalhando fielmente no posto onde Deus o colocara.Um templo foi construído e um bom número se congre­gava para ouvir a mensagem divina. Paton não somente conseguiu reduzir a língua dos tanianos à forma escrita, mas também traduziu uma parte das Escrituras, a qual imprimiu, apesar de não conhecer a arte tipográfica. Acer­ca dessa gloriosa façanha de imprimir o livro em Taniano, assim escreveu: "Confesso que gritei de alegria quando a primeira folha saiu do prelo, tendo todas as páginas na or­dem própria; era uma hora da madrugada. Eu era o único homem branco na ilha e havia horas em que todos os nati­vos dormiam. Contudo, atirei ao ar o chapéu e dancei como um menino, por algum tempo, ao redor do prelo".

- "Terei eu perdido a razão? Não devia, como missio­nário, estar de joelhos louvando a Deus, por mais esta pro­va de sua graça? Crede, amigos, o meu culto foi tão sincero como o de Davi, quando dançou diante da Arca do seu Deus! Não deveis pensar que, depois de pronta a primeira página, eu não me tivesse ajoelhado pedindo ao Todo-Poderoso que propagasse a luz e a alegria do seu Santo Li­vro nos corações entenebrecidos dos habitantes daquela terra inculta".

Depois de Paton haver passado três anos em Tana, o casal de missionários que vivia na ilha vizinha, Erromanga, foi martirizado barbaramente a machadadas, em pleno dia. Ao completar quatro anos de estada em Tana, o ódio dos indígenas dessa ilha chegou ao auge. Diversas tribos combinaram matar o "indefeso" missionário e findar, as­sim, com a religião do Deus de amor, em toda a ilha. Con­tudo, como ele mesmo se declarava imortal até findar sua obra na terra, evitava, em pleno campo, os inúmeros gol­pes de lanças, machadinhas e cacetes, armados pelas mãos dos indígenas, e assim conseguiu escapar para a ilha de Aneitium. Planejou então ocupar-se na obra de tradução do resto dos Evangelhos na língua taniana, enquanto espe­rava a oportunidade de voltar a Tana. Contudo, sentiu-se dirigido a aceitar a chamada para ir à Austrália. Em pou­cos meses, animou as igrejas ali a comprarem um navio à vela, para servir aos missionários. Despertou-as, também, a contribuírem liberalmente e a enviarem mais missioná­rios a evangelizar todas as ilhas.

Acerca da sua viagem à Escócia, depois de alguns anos nas Novas Hébridas, ele escreveu: "Fui, de trem, a Dunfries e lá achei condução para o querido lar paterno, onde fui acolhido com muitas lágrimas. Havia somente cinco curtíssimos anos que saíra desse santuário com a minha jo­vem esposa, e agora, ai de mim! - mãe e filhinho jaziam no túmulo, em Tana, nos braços um do outro, até o dia da res­surreição... Não foi com menos gozo, apesar de sentir-me angustiado, que, poucos dias depois, me encontrei com os pais da minha querida falecida esposa."

Antes de deixar a Escócia, para nova viagem, Paton ca­sou-se com a irmã de outro missionário. Chamada por Deus a trabalhar entre os povos mergulhados nas trevas das Novas Hébridas, ela serviu como fiel companheira de seu marido, por muitos anos.

"Meu último ato na Escócia foi ajoelhar-me no lar pa­terno, durante o culto doméstico, enquanto meu veneran­do pai, como sacerdote, de cabelos brancos, nos encomen­dava, uma vez mais, 'aos cuidados e proteção de Deus, Se­nhor das famílias de Israel.' Eu tinha por certo, quando nos levantamos da oração e nos despedimos uns dos ou­tros, que não nos encontraríamos com eles antes do dia da ressurreição. Porém ele e minha querida mãe, com cora­ções alegres, nos ofertaram de novo ao Senhor, para o seu serviço entre os silvícolas. Mais tarde, meu querido irmão me escreveu que a 'espada' que traspassara a alma da mi­nha mãe, era demasiado aguda e que, depois da nossa saí­da, ela jazeu por muito tempo como morta, nos braços de meu pai."

De volta às ilhas, Paton foi constrangido pelo voto de todos os missionários a não voltar a Tana, mas abrir a obra na vizinha ilha de Aniwa. Dessa forma, tinha de aprender outra língua e começar tudo de novo. Na obra de preparar o terreno para a construção da casa, Paton ajuntou dois cestos de ossos humanos de vítimas comidas pelo povo da ilha!

"Quando essas pobres criaturas começavam a usar um pedacinho de chita, ou um saiote, era sinal exterior de uma transformação, apesar de estarem longe da civilização. E quando começavam a olhar para cima, e a orar Àquele a quem chamavam de 'Pai, nosso Pai', meu coração se derre­tia em lágrimas de gozo; e sei por certo que havia um cora­ção divino nos céus que se regozijava também."

Contudo, como em Tana, Paton considerava-se imortal até completar a obra que lhe fora designada por Deus. Inú­meras vezes evitou a morte agarrando a arma levantada contra ele pelos selvagens para o matarem.

Por fim, a força das trevas unidas contra o Evangelho em Aniwa cedeu. Isso data do tempo em que cavou um poço na ilha. Para os indígenas, a água de coco, para satis­fazer a sede, era suficiente, porque se banhavam no mar e usavam pouco a água para cozinhar - e nenhuma para la­var a roupa! Mas para os missionários, a falta de água doce era o maior sacrifício e Paton resolveu cavar um poço.

No início, os indígenas auxiliaram-no na obra, apesar de considerarem o plano, "do Deus de Missi dar chuva de baixo", concepção de uma mente avariada. Mas depois, amedrontados pela profundeza da cavidade, deixaram o missionário a cavar sozinho, dia após dia, enquanto o con­templavam de longe, dizendo uns aos outros: - "Quem ja­mais ouviu falar em chuva que vem debaixo?! Pobre Mis­si! Coitado!" Quando o missionário insistia em dizer que o abastecimento de água em muitos países vinha de poços, eles respondiam: - "É assim que se dá com os doidos; nin­guém pode desviá-los de suas idéias loucas."

Depois de longos dias de labor enfadonho, Paton alcan­çou terra úmida. Confiava em Deus obter água doce, em resposta às suas orações; contudo, nessa altura, ao meditar sobre o efeito que causaria entre o povo, sentia-se quase to­mado do horror ao pensar que podia encontrar água salga­da. "Sentia-me", escreveu ele, "tão comovido que fiquei molhado de suor e tremia-me todo o corpo, quando a água começou a borbulhar debaixo e a encher o poço. Tomei um pouco de água na mão, levei-a à boca para prová-la. Era água! Era água potável! era água viva do poço de Jeová!"

Os chefes indígenas com seus homens a tudo assistiam. Era uma repetição, em ponto pequeno, dos israelitas ro­deando Moisés, quando ele fez água sair da rocha. O mis­sionário, depois de passar algum tempo louvando a Deus, ficou mais calmo, desceu novamente, encheu um jarro da"chuva que Deus Jeová lhe dava pelo poço", e entregou-o ao chefe. Este sacudiu o jarro para ver se realmente havia água dentro; então tomou um pouco na mão e, não satisfei­to com isso, levou à boca um pouco mais. Depois de revol­ver os olhos de alegria, bebeu-a e rompeu em gritos: "Chu­va! Chuva! É chuva mesmo! - Mas como a arranjou?" Paton respondeu: - "Foi Jeová, meu Deus, quem a deu da sua terra em resposta ao nosso labor e orações. Olhai e vede por vós mesmos como borbulha a terra!"

Não havia um homem entre eles que tivesse coragem de chegar-se perto da boca do poço; então formaram uma fila comprida e, segurando-se uns aos outros pelas mãos, avançaram até que o homem da frente pudesse olhar para dentro do poço; a seguir o que tinha olhado passava para a retaguarda, deixando o segundo olhar para a "chuva de Jeová, mui embaixo".

Depois de todos olharem, um por um, o chefe dirigiu-se a Paton e disse: "Missi, a obra de seu Deus Jeová é admi­rável, é maravilhosa! Nenhum dos deuses de Aniwa jamais nos abençoou tão maravilhosamente. - Mas, Missi, Ele continuará para sempre a dar chuva por essa forma?, ou acontecerá como a chuva das nuvens?" O missionário ex­plicou, para gozo indizível de todos, que essa bênção era permanente e para todos os aniwanianos.

Os nativos experimentaram, durante os anos que se se­guiram, em seis ou sete dos lugares mais prováveis, perto de várias vilas, cavar poços. Todas as vezes que o fizeram ou encontraram pederneira ou o poço dava água salgada. Diziam entre si: - "Sabemos cavar, mas não sabemos orar como Missi e, portanto, Jeová não nos dá chuva debaixo!"

Num domingo, depois que Paton alcançou água do po­ço, o chefe Namakei convocou o povo da ilha. Fazendo seus gestos com a machadinha na mão, dirigiu-se aos ouvintes da seguinte maneira: - "Amigos de Nakamei, todos os po­deres do mundo não podiam obrigar-nos a crer que fosse possível receber chuva das entranhas da terra, se não a ti­véssemos visto com os próprios olhos e provado com a bo­ca... Desde já, meu povo, devo adorar o Deus que nos abriu o poço e nos dá chuva debaixo. Os deuses de Aniwa não po­dem socorrer-nos como o Deus de Missi. Para todo o sempre sou um seguidor de Deus Jeová. Todos vós que quiserdes fazer o mesmo, tomai os ídolos de Aniwa, os deuses que nossos pais temiam e lançai-os aos pés de Missi... Vamos a Missi para ele nos ensinar como devemos servir a Jeová... que enviou seu Filho Jesus para morrer por nós e nos levar aos céus."

Durante os dias que se seguiram, grupo após grupo, al­guns dos silvícolas com lágrimas e soluços, outros aos gri­tos de louvor a Jeová, levaram seus ídolos de pau e pedra, os quais lançaram em montes perante o missionário. Os ídolos de pau foram queimados, os de pedra enterrados em covas de quatro a cinco metros de profundidade e alguns, de maior superstição, foram lançados no fundo do mar, longe da terra.

Um dos primeiros passos da vida cotidiana da ilha, de­pois de destruírem os ídolos, foi a invocação da bênção do Senhor às refeições. O segundo passo, uma surpresa maior e que também encheu o missionário de gozo, foi um acordo entre eles de fazer culto doméstico de manhã e à noite. Sem dúvida esses cultos eram misturados, por algum tem­po, com muitas das superstições do paganismo

Mas Paton traduziu as Escrituras, e as imprimiu na língua aniwaniana e ensinou o povo a lê-las. A transforma­ção do povo da ilha foi uma das maravilhas dos tempos modernos. Como arde o coração ao ler acerca da ternura que o missionário sentia para com esses amados filhos na fé, e do carinho com que esses, outrora cruéis selvagens que comiam uns aos outros, mostravam para com o missioná­rio!

Que o nosso coração arda também para ver a mesma transformação dos milhares de silvícolas no interior de nosso querido Brasil!

Paton descreveu a primeira Ceia do Senhor com as se­guintes palavras: "Ao colocar o pão e o vinho nas mãos, ou­trora manchadas do sangue de antropofagia, agora esten­didas para receber e participar dos emblemas do amor do Redentor, antecipei o gozo da glória até o ponto de o cora­ção não suportar mais. É-me impossível experimentar delícia maior antes de eu poder fitar o rosto glorificado do próprio Senhor Jesus Cristo!"Deus, não somente concedeu ao nosso herói o indizível gozo de ver os aniwanianos irem evangelizar as ilhas vizi­nhas, mas também de ver seu próprio filho, Frank Paton, e esposa, morando na ilha de Tana e continuando a obra que ele começara com o maior sacrifício.

Foi com a idade de 83 anos, que João G. Paton ouviu a voz de seu precioso Jesus, chamando-o para o lar eterno. Quão grande o seu gozo, não somente ao reunir-se aos seus queridos filhos das ilhas do Sul do Pacífico, que entraram no Céu antes dele, mas, também, saudar bem-vindos os outros ao chegarem ali, um por um!

(extraido do livro hérois da fé)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Davi Livingstone (1813-1873) Célebre missionário e explorador



Davi Livingstone (1813-1873)

Célebre missionário e explorador

(1813-1873)
Certo comerciante, ao visitar a abadia de Westminster, em Londres, onde se acham sepultados os reis e vultos eminentes da Inglaterra, inquiriu qual o túmulo, excluindo o do "soldado desconhecido", que é mais visitado. O por­teiro respondeu que era o de Davi Livingstone. São poucos os humildes e fiéis servos de Deus que o mundo distingue e honra assim.

Conta-se que, em Glasgow, depois de passar dezesseis anos na África, Livingstone foi convidado a fazer um dis­curso perante o corpo discente da universidade. Os alunos resolveram vaiar esse "camarada missionário'', fazendo o maior barulho possível. Certa testemunha do aconteci­mento disse: "Contudo, desde o momento em que Livings­tone compareceu perante eles, magro e delgado, depois de cair trinta e uma vezes de febre nas matas da África, e com um braço descansando numa tipóia, depois do encontro com um leão, os alunos guardaram grande silêncio. Ouvi­ram, com o maior respeito, tudo que o orador relatou e amaneira como Jesus cumprira a sua promessa: "Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos sécu­los".

Davi Livingstone nasceu na Escócia. Seu pai, Neil Li­vingstone, contava aos filhos as proezas de seus antepassa­dos, por oito gerações. Um dos bisavôs de Davi, com a família, fugira dos cruéis pactuários, para os pantanais e montes escabrosos, onde podia adorar a Deus em espírito e em verdade. Mas mesmo esses cultos, que se realizavam entre os espinhos e, às vezes, no gelo, eram interrompidos, de vez em quando, pela cavalaria que chegava galopando para matar ou levar presos, tanto homens como mulheres.

Os pais de Davi criaram seus filhos no temor do Se­nhor. O lar era sempre alegre e servia como notável modelo de todas as virtudes domésticas. Não se perdia uma hora durante os sete dias da semana e o domingo era esperado e honrado como o dia de descanso. Com a idade de nove anos, Davi ganhou um Novo Testamento, prêmio oferecido ao repetir de cor o capítulo mais comprido da Bíblia, o Sal­mo 119.

"Entre as recordações mais sagradas da minha infân­cia", escreveu Livingstone, "estão as da economia da mi­nha mãe para que os poucos recursos fossem suficientes para todos os membros da família. Quando completei dez anos de idade, meus pais me colocaram em uma tecelagem para que eu ajudasse a sustentar a família. Com parte do salário da primeira semana, comprei uma gramática de la­tim".

Davi iniciava o dia na tecelagem, às seis horas da ma­nhã e, com intervalos para o café e o almoço, trabalhava até oito da noite. Segurava a sua gramática aberta na má­quina de fiar algodão e, enquanto trabalhava, estudava-a linha por linha. Às oito horas da noite, dirigia-se, sem per­der tempo, à escola noturna. Depois das aulas, estudava as lições para o dia seguinte, às vezes, até a meia-noite, quan­do a mãe tinha de obrigá-lo a apagar a luz e dormir.

A inscrição no túmulo dos pais de Davi Livingstone in­dica as privações no lar paterno:

Para marcar o lugar onde descansa, Neil Livingstone, e Agnes Hunter, sua esposa e para exprimir a gratidão a Deus dos seus filhos: João, Davi, Janet, Carlos e Agnes, por pais pobres e piedosos.

Os amigos insistiam em que ele mudasse as últimas pa­lavras para "pais pobres, mas piedosos". Contudo, Davi recusou porque, para ele, tanto a pobreza, como a piedade eram motivos de gratidão. Sempre considerou o fato de aprender a trabalhar longos dias, mês após mês, ano atrás ano, na fábrica de algodão, uma das maiores felicidades da sua vida.

Nos dias feriados, Davi gostava de pescar e fazer longas excursões pelos campos e às margens dos rios. Esses pas­seios extensos lhe serviam tanto de instrução como de re­creio; saía para verificar na própria natureza o que estuda­ra nos livros sobre botânica e geologia. Sem o saber, ele as­sim se preparava em corpo e mente para as explorações científicas e para o que escreveria com exatidão acerca da natureza na África.

Aos vinte anos, houve grande mudança espiritual em Davi Livingstone, que determinou o rumo de todo o resto da sua vida. "A bênção divina inundou-lhe o ser como inundara o coração do apóstolo Paulo ou de Agostinho, e outros do mesmo tipo, dominando os desejos carnais... Atos de abnegação, muito difíceis de executar sob a lei fér­rea da consciência, tornaram-se em serviços de vontade li­vre sob o brilho do amor divino... É evidente que fora mo­vido por uma força calma, mas tremenda, dentro do pró­prio coração, até o fim da vida. O amor que começou a co­movê-lo, na casa paterna, continuou a inspirá-lo durante todas as longas e enfadonhas viagens pela África, e o levou a ajoelhar-se, à meia-noite, no rancho em Ilala, de onde seu espírito, enquanto ainda orava, voltou ao seu Deus e Salvador.

Davi, desde a infância, ouvia falar de um missionário valente na China, cujo nome era Gutzlaff. Nas suas ora­ções, à noite, ao lado de sua mãe, orava por ele. Com a idade de dezesseis anos, Davi começou a sentir desejo profun­do de fazer conhecido o amor e a graça de Cristo àqueles que jaziam em densas trevas, e resolveu firmemente no co­ração dar, também sua vida, como médico e missionário, ao mesmo país, a China.

Ao mesmo tempo, o professor da sua classe na Escola Dominical, Davi Hogg, o aconselhava: "Ora, moço, faça da religião o motivo principal da sua vida cotidiana e não uma coisa inconstante, se quer vencer as tentações e outras coisas que o querem derribar". E Davi assentou no seu co­ração dirigir sua vida por essa norma.

Ao completar nove anos de serviços na fábrica, foi pro­movido a um trabalho mais lucrativo. Conseguiu comple­tar seus estudos, recebendo o diploma de licenciado da Fa­culdade de Médicos e Cirurgiões de Glasgow, sem ter rece­bido um tostão de auxílio de alguém.

Se os crentes não o tivessem aconselhado a que falasse à Sociedade Missionária de Londres acerca de enviá-lo como missionário, ele depois declarou que teria ido por seus próprios esforços.

Durante todos os anos de estudos para ser médico e missionário, sentia-se dirigido para ir a China. Certa vez, numa reunião, ouviu o discurso de um homem, de barba comprida e branca, alto, robusto e de olhos bondosos e pe­netrantes, chamado Roberto Moffat. Esse missionário vol­tara da África, um país misterioso, cujo interior era então desconhecido. Os mapas desse continente tinham no cen­tro enormes espaços em branco, sem rios e sem serras. Fa­lando da África, Moffat disse a Davi Livingstone: "Há uma vasta planície ao norte, onde tenho visto, nas manhãs ensolaradas, a fumaça de milhares de aldeias, onde ne­nhum missionário ainda chegou".

Comovido, ao ouvir falar em tantas aldeias sem o Evangelho e sabendo que não podia mais ir à China por causa de guerra que havia naquele país, Livingstone res­pondeu: "Irei imediatamente para a África".

Com isso os irmãos da missão concordaram e Davi vol­tou ao humilde lar em Blantire para se despedir dos pais e irmãos. Às cinco horas da manhã, do dia 17 de novembro de 1840, a família se levantou. Davi leu os salmos 121 e 135com eles. As seguintes palavras ficaram gravadas no seu coração, para o fortalecerem no calor e perigos durante os longos anos que passou depois, na África: "O sol não te molestará de dia e nem a lua de noite... O Senhor guardará a tua entrada e a tua saída, desde agora e para sempre". Depois de orarem, despediu-se da sua mãe e irmãs e andou a pé, com seu pai que o acompanhou até Glasgow. Depois de se despedirem um do outro, Davi embarcou no navio para não mais ver, aqui na terra, o rosto nobre de Neil Li­vingstone.

A viagem de Glasgow ao Rio de Janeiro e, por fim, à ci­dade do Cabo, na África, durou três meses. Mas Davi não desperdiçou o tempo. O comandante se tornou seu amigo íntimo e ajudou-o a preparar os cultos, nos quais Davi pre­gava aos tripulantes do navio. O novo missionário aprovei­tou, também, a oportunidade a bordo para aprender a usar o sextante e saber exatamente a posição do navio, obser­vando a lua e as estrelas. Essa ciência lhe foi mais tarde de incalculável valor para orientar-se nas viagens de evangelização e exploração no imenso interior desconhecido do qual "subia a fumaça de mil vilas sem missionário".

Da cidade do Cabo, a viagem de 190 léguas foi feita aos solavancos, num carro de boi, através de campos incultos. A viagem durou dois meses, até chegar em Curumã, onde devia esperar o regresso de Roberto Moffatt. Desejava es­tabelecer-se em um lugar cinqüenta a sessenta léguas mais para o norte de qualquer outro em que houvesse obra mis­sionária.

Para aprender a língua e os costumes do povo, nosso pioneiro passava o tempo viajando e vivendo entre os indí­genas. O seu boi de sela passava a noite amarrado, en­quanto ele assentava-se com os africanos ao redor do fogo, ouvindo as lendas dos seus heróis. Livingstone, por sua vez, contava-lhes as preciosas e verdadeiras histórias de Belém, da Galiléia e da Cruz. Continuou sempre os seus estudos enquanto viajava, fazendo mapas dos rios e serras do território percorrido. Em uma carta a um amigo escre­veu que descobrira trinta e duas qualidades de raízes co­mestíveis e quarenta e três espécies de fruteiras que davam no deserto sem serem cultivadas. De um ponto que alcançou, faltavam-lhe apenas dez dias de viagem para chegar ao grande lago Ngami, que descobriu sete anos depois.

De Curumã, o missionário, licenciado da Faculdade de Médicos e Cirurgiões de Glasgow, escreveu a seu pai: "Te­nho uma clientela grande. Há pacientes aqui que andaram mais de sessenta léguas para receberem tratamento médi­co. Esses, ao regressarem, enviarão outros para o mesmo fim".

Estabeleceu a sua primeira missão no lindo vale de Mabotsa, na terra de Bacarla. Em uma carta, escrita de Curumã, Livingstone assim descreveu o local que escolhe­ra para centro de evangelização: "Está situado em um an­fiteatro de serras que se intitula 'Mabotsa', isto é, 'Ceia de Bodas'. Que Deus nos ilumine com a sua presença, para que, por intermédio de servos tão fracos, muito povo ache entrada para a Ceia das Bodas do Cordeiro!"

Foi em Mabotsa que teve o histórico encontro com um leão. Acerca disso escreveu Davi: "Ele saltou e me alcan­çou o ombro; ambos fomos ao chão. Rosnando horrivel­mente perto do meu ouvido, sacudiu-me como um cão faz a um gato. Os abalos que me deu o animal produziram-me um entorpecimento igual ao que deve sentir um rato, de­pois da primeira sacudidela que lhe dá o gato. Atacou-me uma espécie de adormecimento, em que não senti dor nem sensação de temor".

Contudo, antes de a fera ter tempo de o matar, deixou-o para atacar outro homem que, de lança na mão, entrara na luta. O ombro dilacerado de Livingstone nunca sarou completamente: ele nunca mais pôde apontar um rifle ou levar a mão à cabeça sem sentir dores.

Foi na casa de Roberto Moffatt, em Curumã, que che­gou a conhecer Maria, a filha mais velha desse missioná­rio. Depois de abrir a missão em Mabotsa os dois se casa­ram. Seis filhos foram o fruto desse enlace.

Depois de Livingstone se casar, a Escola Dominical em Mabotsa transformou-se em escola diária, tendo sua espo­sa como professora. Schele, o chefe da tribo, tornou-se grande estudante da Bíblia, mas queria "converter" todo o seu povo à força de "litupa", isto é, chicote de couro de ri­noceronte. Schele iniciou culto doméstico em casa e o próprio Livingstone se admirou da sua maneira, simples e na­ta, de orar. Era o costume de Livingstone começar o dia com culto doméstico e não é de admirar que o chefe o ado­tasse também.

Livingstone foi obrigado a mudar-se para Chonuane, dez léguas distante e, mais tarde, por falta de água, ele e todo o povo mudaram-se para Colobeng. Foi nesse último lugar que o chefe da tribo construiu uma casa para os cul­tos e Livingstone construiu com grande sacrifício de di­nheiro e labor, a sua terceira casa de residência. Nessa casa morou cinco anos para nunca mais conseguir fixar re­sidência em qualquer lugar na terra.

Acerca do trabalho nesse lugar, assim se expressou: "A-qui temos um campo muitíssimo difícil de cultivar... Se não confiássemos que o Espírito Santo opera em nós, desis­tiríamos em desespero".

Através do deserto de Calari, chegavam boatos de um grande lago e de um lugar chamado ''Fumaça Barulhen­ta", o que ele julgava ser uma grande cachoeira. As secas o oprimiam tanto em Colobeng que Livingstone resolveu fa­zer uma viagem de exploração e achar um lugar mais ideal para estabelecer a sua missão. Assim, em 1º de junho de 1849, com o chefe da tribo, seus "guerreiros", três brancos e sua família, saíram para atravessar o grande deserto de Calari. O guia do grupo, Romotobi, conhecia o segredo de subsistir no deserto, cavando com as mãos e chupando a água debaixo da areia por meio dum canudo.

Depois de viajarem muitos dias, chegaram ao rio Zouga. Ao inquirir os indígenas, estes o informaram de que o rio tinha nascente em uma terra de rios e florestas. Li­vingstone ficou convicto de que o interior da África não era um grande deserto como o mundo de então supunha, e o seu coração ardia com o desejo de achar uma via fluvial, para outros missionários irem para o interior do continen­te, com a mensagem de Cristo.

"A perspectiva", escreveu ele, "de achar um rio que dê entrada a uma vasta, populosa e desconhecida região, au­mentou constantemente desde então; aumentou tanto que, quando, por fim chegamos ao grande lago, esse impor­tante descobrimento, em si mesmo, parecia de pouca mon­ta".

Foi em 1º de agosto de 1849 que o grupo atingiu o lago Ngami, tão grande é esse lago que, de uma margem, não se avista a margem oposta. Sofreram longos dias de cruciante sede sem obter uma gota dágua, mas venceram todas as di­ficuldades e descobriram esse lago enquanto outros explo­radores mais bem equipados, mas menos persistentes, fa­lharam.

As notícias do descobrimento foram comunicadas à Royal Geographical Society, o que lhe votou uma bela re­compensa de vinte e cinco guinéus, "por ter descoberto uma importante terra, um importante rio e um grande lago".

O grupo teve de voltar a Colobeng. Depois de alguns meses, porém, iniciou novamente viagem para o lago Nga­mi. Não queria separar-se da sua família e levou-a em um carro de boi. Mas, ao alcançar o rio Zouga, os filhos foram atacados pela febre e ele teve de voltar com a família. Nas­ceu-lhe uma filha, que morreu logo de febre. Livingstone, contudo, ficou mais firme do que nunca, na sua resolução de achar um caminho para levar o Evangelho ao interior da África.

Depois de descansar alguns meses com a família, na casa de seu sogro, em Curumã, saíram com o propósito de achar um lugar saudável onde pudesse estabelecer uma missão mais para o interior. Foi nessa viagem, em junho de 1851, que descobriu o maior rio da África Oriental, o Zam­beze, rio do qual o mundo de então nunca ouvira falar.

No seguinte trecho que Livingstone escreveu, descobre-se algo do que tinham de sofrer nessas viagens: "Um dos assistentes desperdiçou a água que levávamos no carro e, à tarde, tínhamos apenas um restinho para as crianças. Pas­samos a noite angustiados e na manhã seguinte, quanto menos havia de água, tanto mais aumentava a sede das crianças. O pensamento de elas perecerem diante de nos­sos olhos, nos perturbava. Na tarde do quinto dia, senti­mos grande alívio, quando um dos homens voltou trazendo tanto desse líquido como jamais antes havíamos pensado."

Livingstone, convicto de que era a vontade de Deus que saísse para estabelecer outro centro de evangelização, ecom indômita fé de que o Senhor supriria todo o necessário para cumprir a sua vontade, avançava sem vacilar.

Depois de descobrir o rio Zambeze, Livingstone veio a saber que os lugares saudáveis eram sujeitos a serem sa­queados em qualquer tempo por outras tribos. Só nos luga­res infestados de doença e febre é que se achavam tribos específicas.

Resolveu, portanto, enviar a esposa para descansar na Inglaterra enquanto ele continuava as suas explorações a fim de estabelecer um centro para a obra de evangelização. Via-se forçado a estabelecer tal centro, porque os boêres holandeses invadiam o território, roubando as terras e o gado dos indígenas, pondo em prática um regime da mais vil escravatura. Livingstone enviou crentes fiéis para evangelizar os povos em redor, mas os boêres acabaram com essa obra, matando muitos dos indígenas e destruindo to­dos os bens que o missionário possuía em Colobeng.

Livingstone levou sua família para a cidade do Cabo, de onde seus queridos embarcaram em um navio para a In­glaterra.

Foi nesse tempo, quando Deus suprira todo o necessá­rio para a família voltar à Inglaterra, que disse: "Oh! Amor divino, eu não te amo com a força, a profundidade e o ardor que convém!"

A separação da família causou-lhe profunda mágoa, mas dirigiu o rosto heroicamente de novo para socorrer as infelizes tribos do interior da África.

Havia três motivos que o aconselhavam a fazer uma viagem de exploração: Primeiro, queria achar um lugar para residir com a família entre os "barotses" e evangeli­zá-los. Segundo, a comunicação entre o território dos "ba­rotses" e a cidade do Cabo era muito demorada e difícil e queria descobrir um caminho para um porto mais próxi­mo. Terceiro, queria fazer todo o possível para influenciar as autoridades contra o horrendo tráfico de escravos.

Foi nessa época da sua vida que Livingstone, por suas proezas, tornou-se conhecido no mundo inteiro.

No seu ardor, desejando que Deus lhe poupasse a vida e o usasse em abrir o continente para a entrada do Evange­lho, orou assim: "Ó Jesus, rogo que me enchas agora com oteu amor e me aceites e me uses um pouco para a tua gló­ria. Até agora não fiz nada para ti, mas quero fazer algo. Oh! eu te imploro que me aceites e me uses e que seja tua toda a glória". Escreveu mais ainda: "Não valeria coisa al­guma o que possuo ou o que possuirei, a não ser em relação ao reino de Cristo. Se alguma coisa que tenho pode servir para o seu reino, dar-lha-ei a Ele, a quem devo tudo neste mundo e durante a eternidade".

Livingstone atravessou, ida e volta, o continente africa­no, desde a foz do Zambeze a São Paulo de Luanda, faça­nha essa realizada pela primeira vez por um branco. Nas suas memórias que escrevia diariamente, nota-se como ad­mirava as lindas paisagens de um continente que o mundo julgava ser um vasto deserto.

Chegou a Luanda, magro e doente. Apesar da insistên­cia do cônsul britânico para que regressasse à Inglaterra, a fim de recuperar a saúde abalada, ele voltou novamente, por outro caminho, para levar seus fiéis companheiros até em casa, conforme lhes prometera antes de iniciarem a viagem.

Nessa viagem, Livingstone descobriu as magníficas ca­taratas de Vitória, nome que ele deu às grandes quedas em honra da rainha da Inglaterra. Nesse lugar, o rio Zambeze tem a largura de mais de um quilômetro; ali as águas desse grande rio se precipitam espetacularmente de uma altura de cem metros.

Levingstone continuou a pregar o Evangelho constan­temente, às vezes a auditórios de mais de mil indígenas. Antes de tudo, esforçava-se para ganhar a estima das tri­bos hostis, por onde passava, por sua conduta cristã, em grande contraste com a dos mercadores de escravos.

Sozinho, com os seus fiéis macololos, caiu trinta e uma vezes de febre nos matagais, durante um período de sete meses. Mas não era tanto o sofrimento físico. Suas cartas revelam a sua angústia de espírito ao ver os horrores do povo africano massacrado e arrebatado dos seus lares, con­duzido como gado para ser vendido no mercado. De um lu­gar alto onde subiu, contou dezessete aldeias em chamas, incendiadas por esses nefandos mercadores de seres huma­nos.Prometera à sua esposa reunir-se com a família depois de dois anos, mas passaram-se quatro anos e meio antes que ela recebesse qualquer notícia dele!

Por fim, após uma ausência de dezessete anos da pá­tria, regressou à Inglaterra. Voltou à civilização e à sua família como quem volta da morte. Antes de desembarcar, soube que seu querido pai falecera. Em toda a história de Livingstone, não se conta um acontecimento mais como­vente do que o seu encontro com a esposa e filhos. Na In­glaterra, foi aclamado e honrado como heróico descobridor e grande benfeitor da humanidade. Os diários publicavam os seus atos de bravura. As multidões afluíam para ouvi-lo contar a sua história. "O doutor Livingstone era muito hu­milde... Temia passear nas ruas, receando ser atropelado pelas massas. Certo dia, na Regent Street, em Londres, foi apertado por tão grande multidão, que só com grande difi­culdade conseguiu refugiar-se num táxi. Pela mesma razão evitava ir aos cultos. Certa vez, desejoso de assistir ao cul­to, meu pai persuadiu-o a ocupar um assento debaixo da galeria, em um lugar não visível ao auditório. Mas foi des­coberto e o povo passou por cima dos bancos para cercá-lo e apertar-lhe a mão".

Uma das muitas coisas que levou a efeito, enquanto na Inglaterra, foi a de escrever seu livro: Viagens Missioná­rias, obra que alcançou enorme circulação e produziu mais interesse na questão africana do que qualquer movimento anterior.

Em março de 1858, com a idade de 46 anos, Livingsto­ne, acompanhado de sua esposa e filho mais novo, Osval­do, embarcou novamente para a África. Deixando os dois na casa do sogro, o missionário Moffatt, Livingstone conti­nuou as suas viagens. No ano seguinte, descobriu o lago Niassa. Recebeu, também, uma carta da esposa, da casa de seus pais em Curumã, informando-o do nascimento de mais uma filha. A menina já estava há quase um ano no mundo quando o pai soube do seu nascimento.

As explorações dos rios Zambeze, Tete e Shire e do lago Niassa, foram feitas com o propósito de saber quais os pon­tos mais estratégicos para a evangelização, e missionários foram enviados da Inglaterra para ocuparem esses lugares.Em 1862 a esposa reuniu-se a ele novamente, e acom­panhava-o nas viagens, mas três meses depois faleceu, vítima da febre e foi enterrada em uma encosta verdejante na margem do rio Zambeze. Np seu diário, Livingstone as­sim escreveu: "Chorei-a porque merece as minhas lágri­mas. Amei-a ao nos casarmos, e quanto mais tempo vivía­mos juntos, tanto mais a amava. Que Deus tenha piedade dos filhos..."

Um dos maiores obstáculos que Livingstone enfrentou na obra missionária foi o terror dos indígenas ao verem um rosto de homem branco. Aldeias inteiras em ruínas; fugiti­vos escondendo-se nos campos de alto capim, sem nada te­rem para comer; centenas de esqueletos e cadáveres inse­pultos; comboios de homens e mulheres algemados aos troncos, seguros pelo pescoço, eram conduzidos aos portos - É difícil concebermos a magnitude da desolação criada por homens cruéis que participavam do tráfico de escra­vos.

Esses homens tentavam, também, com ódio cruel e arte diabólica, terminar com a obra de Livingstone. Final­mente conseguiram, por meio da política do seu país, indu­zir a Inglaterra a chamá-lo de volta à sua terra. Foi assim que Livingstone chegou de novo à sua pátria depois de uma ausência de cerca de oito anos.

Os crentes e amigos na Inglaterra, animados pela visão de Livingstone, começaram a orar e enviar-lhe dinheiro para continuar sua obra no continente negro. O nosso herói desembarcou pela terceira e última vez na África, em Zanzibar.

Na expedição que iniciou em Zanzibar, descobriu os la­gos Tanganyka (1867), Moero (1867) e Bangueolo (1868). Passou cinco longos anos explorando as bacias desses la­gos. A oração e a Palavra de Deus foram o seu sustento es­piritual durante esses anos de provações, que sofria por parte dos negociantes de escravos.

Resolveu, então, fazer o possível para descobrir as nas­centes do rio Nilo e solver um problema que durante mi­lhares de anos havia zombado dos geógrafos. Sabia que se descobrisse as nascentes do famoso Nilo, o mundo todo lhe daria ouvidos acerca da chaga aberta da África, com o comércio de escravos. É interessante conhecer o que ele es­creveu: "O mundo acha que busco fama, porém eu tenho uma regra, isto é, não leio coisa alguma sobre os elogios que me fazem". Ele sabia que, ao findar a escravatura, o continente se abriria para deixar entrar o Evangelho.

Durante os longos intervalos entre os períodos em que suas cartas eram recebidas na Inglaterra, vindas do cora­ção da África, circularam boatos de que Livingstone mor­rera. Não só os homens que traficavam com escravos que­riam matá-lo, mas também muitos dos próprios indígenas, por não acreditarem existir um homem branco que fosse amigo de coração. Ele mesmo contou muitos fatos relacio­nados com as ciladas na terra do Maniuema para o mata­rem. Nesse lugar, ele escreveu no seu diário: "Li toda a Bíblia quatro vezes, enquanto estive em Maniuema". Na solidão achou grande conforto nas Escrituras.

Reconhecia sempre a possibilidade de perecer nas mãos dos inimigos, mas sempre respondia à insistência dos ami­gos com esta pergunta: - "Não pode o amor de Cristo cons­tranger o missionário a ir onde a traficância leva o merca­dor de escravos?"

Pela primeira vez, nos milhares de léguas que cami­nhou, os pés do pioneiro falharam. Obrigado a ficar algum tempo em uma cabana, todos os seus companheiros o abandonaram, à exceção de três que ficaram com ele.

Por fim, chegou a Ujiji, reduzido a pele e ossos, por cau­sa da grave doença que sofrera em Maniuema. Não tinha recebido cartas havia dois anos e esperava receber também as provisões que enviara para lá. Contudo, as cartas não haviam chegado. Com o corpo enfraquecido, e destituído de roupas e alimentos, veio a saber que lhe tinham rouba­do tudo. Nessa situação, ele escreveu: "Na minha pobreza senti-me como o homem que, descendo de Jerusalém a Je­ricó, caiu nas mãos de ladrões. Não tinha esperança de que sacerdotes, levitas ou o bom samaritano viesse em meu so­corro. Entretanto, quando minha alma se achava mais abatida, o bom samaritano já estava bem perto de mim!"

O "bom samaritano" era Henrique Stanley, enviado pelo New York Herald, à insistência de muitos milhares de leitores desse jornal, para saber ao certo se Livingstone ainda vivia, ou, no caso de ter morrido, para trazer seu cor­po.

Stanley passou o inverno com Livingstone. Mas este se recusou a ceder à insistência daquele de voltar à Inglater­ra. Livingstone podia voltar e descansar entre amigos, com todo o conforto, mas preferiu ficar e realizar seu anelo de abrir o continente africano ao Evangelho.

A sua última viagem foi feita para explorar o Luapula, a fim de verificar se esse rio era a nascente do Nilo ou do Congo. Nessa região chovia incessantemente. Livingstone sofria dores atrozes; dia após dia tornava-se-lhe mais e mais difícil caminhar. Foi então carregado, pela primeira vez, pelos fiéis companheiros: Susi, Chuman e Jacó Wainwright, todos indígenas.

No seu diário, as últimas notas que escreveu dizem: "Cansadíssimo, fico... Recuperada a saúde... Estamos nas margens do Mililamo".

Chegaram à aldeia de Chitambo, em Ilala onde Susi fez uma cabana para ele. Nessa cabana, a 1º de maio de 1873, fiel Susi achou seu bondoso mestre de joelhos, ao lado da cama - morto. Orou enquanto viveu e partiu deste mundo orando!

Os dois fiéis companheiros, Susi e Chuman, enterra­ram o coração de Livingstone abaixo de uma árvore em Chitambo, secaram e embalsamaram o corpo, e o levaram até a costa - viagem que durou alguns meses, pelo territó­rio de várias tribos hostis. O sacrifício desses valentes fi­lhos da África, sem terem qualquer propósito de remunera­ção, não será esquecido por Deus, nem pelo mundo.

O corpo, depois de chegar em Zanzibar, foi transporta­do para a Inglaterra, onde foi sepultado na Abadia de Westminster, entre os monumentos dos reis e heróis da­quela nação. Não havia dúvida quanto ao corpo de Li­vingstone; era fácil de identificar: o osso de cima do braço esquerdo tinha distintamente as marcas dos dentes do leão que o atacara.

Entre os que assistiram ao enterro, estavam seus filhos e o velho missionário Roberto Moffatt, pai da sua querida esposa. A multidão consistia de povo humilde, que o ama­va e dos grandes, que o honravam e respeitavam.Conta-se que havia, entre as multidões que permane­ciam nas calçadas das ruas de Londres no dia em que o cortejo, com o corpo de Davi Livingstone, passava, um ve­lho chorando amargamente. Ao lhe perguntarem por que chorava, respondeu: - "É porque Davizinho e eu nascemos na mesma aldeia, cursamos o mesmo colégio e assistimos a mesma Escola Dominical, trabalhávamos na mesma má­quina de fiar. Mas Davizinho foi por aquele caminho, eu por este. Agora ele é honrado pela nação, enquanto eu sou desprezado, desconhecido e desonrado. O único futuro para mim é o enterro de beberrão".

Não é somente o ambiente, mas a escolha na mocidade é que determina o destino, não só aqui no mundo, mas para toda a eternidade.

Quando Livingstone falou aos alunos da Universidade de Cambridge, em 1857, disse: "Por minha parte, nunca cesso de me regozijar por Deus ter-me apontado para tal ofício. O povo fala do sacrifício de eu passar tão grande parte da vida na África. - Será sacrifício pagar uma peque­na parte da dívida, dessa dívida que nunca poderemos li­quidar, do que devemos ao nosso Deus? É sacrifício aquilo que traz a bendita recompensa de saúde, o conhecimento de praticar o bem, a paz de espírito e a viva esperança de um glorioso destino? Longe esteja tal idéia! Digo com ênfa­se: Não é sacrifício... Nunca fiz sacrifício. Não devemos fa­lar dos nossos sacrifícios, ao nos lembrarmos do grande sa­crifício que fez Aquele que desceu do trono de seu Pai, nas alturas, para se entregar por nós".

Se Livingstone não tivesse adoecido, teria descoberto as nascentes do Nilo. Durante os trinta anos que passou na África, nunca se esqueceu do seu alvo principal que era le­var Cristo aos povos desse escuro continente. Todas as via­gens que realizou foram viagens missionárias.

Gravadas no seu túmulo podem ser lidas estas pala­vras: "O coração de Livingstone jaz na África, seu corpo descansa na Inglaterra, mas sua influência continua".

Gravados para sempre na história da Igreja de Cristo estão os grandes êxitos na África durante um período demais de 75 anos depois de sua morte, êxitos inspirados, em grande parte, pelas orações e persistência desse eminente servo de Deus, que foi fiel até a morte.

(extraido do livro hérois da fé)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Jorge Müller - (1805-1898) Apóstolo da fé


Jorge Müller - (1805-1898)
Apóstolo da fé


"Pela fé, Abel... Pela fé, Noé... Pela fé, Abraão..." As­sim é que o Espírito Santo conta as incríveis proezas que Deus fez por intermédio dos homens que ousavam confiar unicamente nele. Foi no século XIX que Deus acrescentou o seguinte a essa lista: "Pela fé, Jorge Müller levantou or­fanatos, alimentou milhares de órfãos, pregou a milhões de ouvintes em redor do globo e ganhou multidões de almas para Cristo".

Jorge Müller nasceu em 1805, de pais que não conhe­ciam a Deus. Com a idade de dez anos, foi enviado a uma universidade, a fim de preparar-se para pregar o Evange­lho, não, porém, com o alvo de servir a Deus, mas para ter uma vida cômoda. Gastou esses primeiros anos de estudo nos mais desenfreados vícios, chegando, certa vez, a ser preso por vinte e quatro dias. Jorge, uma vez solto, esfor­çava-se nos estudos, levantando-se às quatro da manhã e estudando o dia inteiro até as dez da noite. Tudo isso, po­rém, ele fazia para alcançar uma vida descansada de pre­gador.

Aos vinte anos de idade, contudo, houve uma completa transformação na vida desse moço. Assistiu a um culto onde os crentes, de joelhos, pediam que Deus fizesse cair sua bênção sobre a reunião. Nunca se esqueceu desse cul­to, em que viu, pela primeira vez, crentes orando ajoelha­dos; ficou profundamente comovido com o ambiente espi­ritual a ponto de buscar também a presença de Deus, cos­tume esse que não abandonou durante o resto da vida.

Foi nesses dias, depois de sentir-se chamado para ser missionário, que passou dois meses hospedado no famoso orfanato de A. H. Frank. Apesar de esse fervoroso servo de Deus, o senhor Frank, ter morrido quase cem anos antes (em 1727), o seu orfanato continuava a funcionar com as mesmas regras de confiar inteiramente em Deus para todo o sustento. Mais ou menos ao mesmo tempo em que Jorge Müller hospedou-se no orfanato, um certo dentista, o se­nhor Graves, abandonou as Suas atividades que lhe davam um salário de 7.500 dólares por ano, a fim de ser missioná­rio na Pérsia, confiando só nas promessas de Deus para su­prir todo o seu sustento. Foi assim que Jorge Müller, o novo pregador, recebeu nessa visita a inspiração que o le­vou mais tarde a fundar seu orfanato sobre os mesmos princípios.

Logo depois de abandonar sua vida de vícios, para an­dar com Deus, chegou a reconhecer o erro, mais ou menos universal, de ler muito acerca da Bíblia e quase nada da Bíblia. Esse livro tornou-se a fonte de toda a sua inspira­ção e o segredo do seu maravilhoso crescimento espiritual. Ele mesmo escreveu: "O Senhor me ajudou a abandonar os comentários e a usar a simples leitura da Palavra de Deus como meditação. O resultado foi que, quando, a primeira noite, fechei a porta do meu quarto para orar e meditar sobre as Escrituras, aprendi mais em poucas horas do que antes durante alguns meses." E acrescentou: "A maior di­ferença, porém, foi que recebi, assim, força verdadeira para a minha alma". Antes de falecer, disse que lera a Bíblia inteira cerca de duzentas vezes; cem vezes o fez es­tando de joelhos.

Quando estava ainda no seminário, nos cultos domésti­cos de noite com os outros alunos, freqüentemente continuou orando até a meia-noite. De manhã, ao acordar, cha­mava-os de novo para a oração, às seis horas.

Certo pregador, pouco tempo antes da morte de Jorge Müller, perguntou-lhe se orava muito. A resposta foi esta: "Algumas horas todos os dias. E ainda, vivo no espírito de oração; oro enquanto ando, enquanto deitado e quando me levanto. Estou constantemente recebendo respostas. Uma vez persuadido de que certa coisa é justa, continuo a orar até a receber. Nunca deixo de orar!... Milhares de almas têm sido salvas em respostas às minhas orações... Espero encontrar dezenas de milhares delas rio Céu... O grande ponto é nunca cansar de orar antes de receber a resposta. Tenho orado 52 anos, diariamente, por dois homens, filhos dum amigo da minha mocidade. Não são ainda converti­dos, porém, espero que o venham a ser. - Como pode ser de outra forma? Há promessas inabaláveis de Deus e sobre elas eu descanso".

Não muito antes de seu casamento, não se sentia bem com o costume de salário fixo, preferindo confiar em Deus em vez de confiar nas promessas dos irmãos. Deu sobre isso as três seguintes razões:

1) "Um salário significa uma importância designada, geralmente adquirida do aluguel dos bancos. Mas a vontade de Deus não é alugar bancos (Tiago 2.1-6)".

2) "O preço fixo dum assento na igreja, às vezes, é pesado demais para alguns filhos de Deus e não quero colocar o menor obstáculo no caminho do progresso espiritual da igreja".

3) "Toda a idéia de alugar os assentos e ter salário torna-se tropeço para o pregador, levando-o a trabalhar mais pelo dinheiro do que por razões espiri­tuais".

Jorge Müller achava quase impossível ajuntar e guar­dar dinheiro para qualquer imprevisto, e não ir direto a Deus. Assim o crente confia no dinheiro em caixa, em vez de confiar em Deus.

Um mês depois de seu casamento, colocou uma caixa no salão de cultos e anunciou que podiam deitar lá as ofer­tas para o seu sustento e que, daí em diante, não pediria mais nada, nem a seus amados irmãos; porque, como ele disse, "Sem me aperceber, tenho sido levado a confiar no braço de carne, mas o melhor é ir diretamente ao Senhor"O primeiro ano findou com grande triunfo e Jorge Müller disse aos irmãos que, apesar da pouca fé ao come­çar, o Senhor tinha ricamente suprido todas as suas neces­sidades materiais e, o que foi ainda mais importante, ti­nha-lhe concedido o privilégio de ser um instrumento na sua obra.

O ano seguinte foi, porém, de grande provação, porque muitas vezes não lhe restava nem um xelim. E Jorge Müller acrescenta que no momento próprio a sua fé sem­pre foi recompensada com a chegada de dinheiro ou ali­mentos.

Certo dia, quando só restavam oito xelins, Müller pe­diu ao Senhor que lhe desse dinheiro. Esperou muitas ho­ras sem qualquer resposta. Então chegou uma senhora e perguntou: - "O irmão precisa de dinheiro?" Foi uma grande prova da sua fé, porém, o pastor respondeu: - "Mi­nha irmã, eu disse aos irmãos, quando abandonei meu sa­lário, que só informaria o Senhor a respeito das minhas ne­cessidades". - "Mas", respondeu a senhora, "Ele me disse que eu lhe desse isto", e colocou 42 xelins na mão do prega­dor.

Outra vez passaram-se três dias sem terem dinheiro em casa e foram fortemente assaltados pelo Diabo, a ponto de quase resolverem que tinham errado em aceitar a doutrina de fé nesse sentido. Quando, porém, voltou ao seu quarto achou 40 xelins que uma irmã deixara. E ele acrescentou então: "Assim triunfou o Senhor e nossa fé foi fortalecida".

Antes de findar o ano, acharam-se de novo inteiramen­te sem dinheiro, num dia em que tinham de pagar o alu­guel. Pediram a Deus e o dinheiro foi enviado. Nessa oca­sião, Jorge Müller fez para si a seguinte regra da qual nun­ca mais se desviou: "Não nos endividaremos, porque acha­mos que tal coisa não é bíblica (Romanos 13.8), e assim não teremos contas a pagar. Somente compraremos o que pudermos, tendo o dinheiro em mãos, assim sempre sabe­remos quanto realmente possuímos e quanto temos o direi­to de gastar".

Deus, assim, gradualmente treinava o novo pregador a confiar nas suas promessas. Estava tão certo da fidelidade das promessas da Bíblia, que não se desviou, durante os longos anos da sua obra no orfanato, da resolução de não pedir ao próximo, e de não se endividar.

Um outro segredo que o levou a alcançar tão grande bênção de confiarem Deus, foi a sua resolução de usar o di­nheiro que recebia somente para o fim a que fora destina­do. Essa regra nunca infringiu, nem para tomar empresta­do de tais fundos, apesar de se ter achado milhares de ve­zes face a face com as maiores necessidades.

Nesses dias, quando começou a provar as promessas de Deus, ficou comovido pelo estado dos órfãos e pobres crian­ças que encontrava nas ruas. Ajuntou algumas dessas crianças para comer consigo às oito horas da manhã e a se­guir, durante uma hora e meia, ensinava-lhes as Escritu­ras. A obra aumentou rapidamente. Quanto mais crescia o número para comer, tanto mais recebia para alimentá-las até se achar cuidando de trinta a quarenta menores.

Ao mesmo tempo, Jorge Müller fundou a Junta para o Conhecimento das Escrituras na Nação e no Estrangeiro. O alvo era: 1) Auxiliar as escolas bíblicas e as escolas do­minicais. 2) Espalhar as Escrituras. 3) Aumentar a obra missionária. Não é necessário acrescentar que tudo foi fei­to com a mesma resolução de não se endividar, mas sem­pre pedir a Deus, em secreto, todo o necessário.

Certa noite, quando lia a Bíblia, ficou profundamente impressionado com as palavras: "Abre bem a tua boca, e ta encherei" (Salmo 81.10). Foi levado a aplicar essas pa­lavras ao orfanato, sendo-lhe dada a fé de pedir mil libras ao Senhor; também pediu que Deus levantasse irmãos com qualificação para cuidar das crianças. Desde aquele mo­mento, esse texto (Salmo 81.10), serviu-lhe como lema e a promessa se tornou em poder que determinou todo o curso da sua vida.

Deus não demorou muito a dar a sua aprovação de alu­gar uma casa para os órfãos. Foi apenas dois dias depois de começar a pedir, que ele escreveu no seu diário: "Hoje re­cebi o primeiro xelim para a casa dos órfãos".

Quatro dias depois foi recebida a primeira contribuição de móveis: um guarda-roupa; e uma irmã ofereceu dar seus serviços para cuidar dos órfãos. Jorge Müller escreveu naquele dia que estava alegre no Senhor e confiante em que Ele ia completar tudo.

No dia seguinte, Jorge Müller recebeu uma carta com estas palavras: "Oferecemo-nos para o serviço do orfanato, se o irmão achar que temos as qualificações. Oferecemos também todos os móveis, etc, que o Senhor nos tem dado. Faremos tudo isto sem qualquer salário, crendo que, se for a vontade do Senhor usar-nos, Ele suprirá todas as nossas necessidades". Desde aquele dia, nunca faltaram, no orfa­nato, auxiliares alegres e devotados, apesar de a obra au­mentar mais depressa do que Jorge Müller esperava.

Três meses depois, foi que conseguiu alugar uma gran­de casa e anunciou a data da inauguração do orfanato para o sexo feminino. No dia da inauguração, porém, ficou de­sapontado: nenhuma órfã foi recebida. Somente depois de chegar a casa é que se lembrou de que não as tinha pedido. Naquela noite humilhou-se rogando a Deus o que anelava. Ganhou a vitória de novo, pois veio uma órfã no dia se­guinte. Quarenta e duas pediram entrada antes de findar o mês, e já havia vinte e seis no orfanato.

Durante o ano, houve grandes e repetidas provas de fé. Aparece, por exemplo, no seu diário: "Sentindo grande ne­cessidade ontem de manhã, fui dirigido a pedir com insis­tência a Deus e, em resposta, à tarde, um irmão deu-me dez libras". Muitos anos antes da sua morte, afirmou que, até aquela data, tinha recebido da mesma forma 5.000 ve­zes a resposta, sempre no mesmo dia em que fazia o pedi­do.

Era seu costume, e recomendava também aos irmãos, guardar um livro. Numa página assentava seu pedido com a data e no lado oposto a data em que recebera a resposta. Dessa maneira, foi levado a desejar respostas concretas aos seus pedidos e não havia dúvida acerca dessas respostas.

Com o aumento do orfanato e do serviço de pastorear os quatrocentos membros de sua igreja, Jorge Müller achou-se demasiadamente ocupado para orar. Foi nesse tempo que chegou a reconhecer que o crente podia fazer mais em quatro horas, depois de uma em oração, do que em cinco sem oração. Essa regra ele a observou fielmente durante 60 anos.Quando alugou a segunda casa, para os órfãos de sexo masculino, disse: "Ao orar, estava lembrado de que pedia a Deus o que parecia impossível receber dos irmãos, mas que não era demasiado para o Senhor conceder". Ele orava com noventa pessoas sentadas às mesas: "Senhor, olha para as necessidades de teu servo..." Essa foi uma oração a que Deus abundantemente respondeu. Antes de morrer, testificou que, pela fé, alimentava 2.000 órfãos, e nenhuma refeição se fez com atraso de mais de trinta minutos.

Muitas pessoas perguntavam a Jorge Müller como con­seguia ele saber a vontade de Deus, pois não fazia nada sem primeiro ter a certeza de ser da vontade do Senhor. Ele respondia:

1) "Procuro manter o coração em tal estado que ele não tenha qualquer vontade própria no caso. De dez proble­mas, já temos a solução de nove, quando conseguimos ter um coração entregue para fazer a vontade do Senhor, seja essa qual for. Quando chegamos verdadeiramente a tal ponto, estamos, quase sempre, perto de saber qual é a sua vontade.

2) "Tenho o coração entregue para fazer a vontade do Senhor, não deixo o resultado ao mero sentimento ou a uma simples impressão. Se o faço, fico sujeito a grandes enganos.

3) "Procuro a vontade do Espírito de Deus por meio da sua Palavra. É essencial que o Espírito e a Palavra acom­panhem um ao outro. Se eu olhar para o Espírito, sem a Palavra, fico sujeito, também, a grandes ilusões.

4) "Depois considero as circunstâncias providenciais. Essas, ao lado da Palavra de Deus e do seu Espírito, indi­cam claramente a sua vontade.

5) "Peço a Deus em oração que me revele sua própria vontade.

6) "Assim, depois de orar a Deus, estudar a Palavra e refletir, chego à melhor resolução deliberada que posso com a minha capacidade e conhecimento; se eu continuar a sentir paz, no caso, depois de duas ou três petições mais, sigo conforme essa direção. Nos casos mínimos e nas tran­sações da maior responsabilidade, sempre acho esse méto­do eficiente".Jorge Müller, três anos antes da sua morte, escreveu: "Não me lembro, em toda a minha vida de crente, num período de 69 anos, de que eu jamais buscasse, sincera­mente e com paciência, saber a vontade de Deus pelo ensi­namento do Espírito Santo por intermédio da Palavra de Deus, e que não fosse guiado certo. Se me faltava, porém, sinceramente de coração e pureza perante Deus, ou se eu não olhava para Deus, com paciência pela direção, ou se eu preferia o conselho do próximo ao da Palavra do Deus vivo, então errava gravemente".

Sua confiança no "Pai dos órfãos" era tal, que nem uma só vez recusou aceitar crianças no orfanato. Quando lhe perguntavam porque assumira o encargo do orfanato, respondeu que não fora apenas para alimentar os órfãos material e espiritualmente, mas "o primeiro objetivo bási­co do orfanato era - afirmava -, e ainda é, que Deus seja magnificado pelo fato de que os órfãos sob os meus cuida­dos foram e estão sendo supridos de todo o necessário, so­mente por oração e fé, sem eu nem meus companheiros de trabalho pedirmos ao próximo; por isso mesmo se pode ver que Deus continua fiel e ainda responde às nossas ora­ções".

Em resposta a muitos que queriam saber como o crente pode adquirir tão grande fé, deu as seguintes regras:

1) Lendo a Bíblia e meditando sobre o texto lido, che­ga-se a conhecer a Deus, por meio de oração.

2) Procurar manter um coração íntegro e uma boa consciência.

3) Se desejamos que a nossa fé cresça, não devemos evitar aquilo que a prove e por meio do que ela seja fortale­cida.

"Ainda mais um ponto: para que a nossa fé se fortale­ça, é necessário que deixemos Deus agir por nós ao chegar a hora da provação, e não procurar a nossa própria liberta­ção.

"Se o crente desejar grande fé, deve dar tempo para Deus trabalhar."

Os cinco prédios construídos de pedras lavradas e si­tuados em Ashley Hill, Bristol, Inglaterra, com 1.700 janelas e lugar para acomodar mais de 2.000 pessoas, são teste­munhas atuais dessa grande fé de que ele escreveu.

Cada uma dessas dádivas (devemo-nos lembrar) Jorge Müller lutou com Deus em oração para obter; orou com alvo certo e com perseverança, e Deus lhe respondeu.

São de Jorge Müller estas palavras: "Muitas repetidas vezes tenho-me encontrado em posição muito difícil, não só com 2.000 pessoas comendo diariamente às mesas, mas também com a obrigação de atender a todas as demais despesas, estando a nossa caixa com os fundos esgotados. Havia ainda 189 missionários para sustentar, cerca de 100 colégios com mais ou menos 9.000 alunos, além de 4.000.000 de tratados para distribuir, tudo sob nossa res­ponsabilidade, sem que houvesse dinheiro em caixa para as despesas".

Certa vez o doutor A. T. Pierson foi hóspede de Jorge Müller no seu orfanato. Uma noite, depois que todos se deitaram, Jorge Müller o chamou para orar dizendo que não havia coisa alguma em casa para comer. O doutor Pierson quis lembrar-lhe que o comércio estava fechado, mas Jorge Müller bem sabia disso. Depois da oração deita­ram-se, dormiram e, ao amanhecer, a alimentação já esta­va suprida e em abundância para 2.000 crianças. Nem o doutor Pierson, nem Jorge Müller chegaram a saber como a alimentação foi suprida. A história foi contada naquela manhã, ao senhor Simão Short, sob a promessa de guardá-la em segredo até o dia da morte do benfeitor. O Senhor despertara essa pessoa do sono, à noite, e mandara que le­vasse alimentos suficientes para suprir o orfanato durante um mês. E isso sem a pessoa saber coisa alguma da oração de Jorge Müller e do doutor Pierson!

Com a idade de 69 anos Jorge Müller iniciou suas via­gens, nas quais pregou centenas de vezes em quarenta e duas nações, a mais de três milhões de pessoas. Recebeu, em resposta às suas orações, tudo de Deus para pagar as grandes despesas. Mais tarde, ele escreveu: "Digo com ra­zão: Creio que eu não fui dirigido a nenhum lugar onde não houvesse prova evidente de que o Senhor me mandara para lá". Ele não fez essas viagens com o plano de solicitar dinheiro para a junta; não recebeu o suficiente nem para as despesas de doze horas da junta. Segundo as suas pala­vras, o alvo era "que eu pudesse, por minha experiência e conhecimento das coisas divinas, comunicar uma bênção aos crentes... e que eu pudesse pregar o Evangelho aos que não conheciam o Senhor".

Assim escreveu ele sobre um seu problema espiritual: "Sinto constantemente a minha necessidade... Nada posso fazer sozinho, sem cair nas garras de Satanás. O orgulho, a incredulidade ou outros pecados me levariam à ruína. So­zinho não permaneço firme um momento. Que nenhum leitor pense que devido à minha dedicação, eu não me pos­sa 'inchar' ou me orgulhar, ou que eu não possa descrer de Deus!"

O estimado evangelista, Carlos Inglis, contou a respeito de Jorge Müller:

"Quando vim pela primeira vez à América, faz trinta e um anos, o comandante do navio era devoto tal que jamais conheci. Quando nos aproximamos da Terra Nova, ele me disse: 'Sr. Inglis, a última vez que passei aqui, há cinco se­manas, aconteceu uma coisa tão extraordinária que foi a causa de uma transformação de toda a minha vida de cren­te. Até aquele tempo eu era um crente comum. Havia a bordo conosco um homem de Deus, o senhor Jorge Müller, de Bristol. Eu tinha passado 22 horas sem me afastar da ponte de comando, nem por um momento, quando fui as­sustado por alguém que me tocou no ombro. Era o senhor Jorge Müller. Houve, então, entre nós o seguinte diálogo:

- Comandante - disse o senhor Müller, - vim dizer-lhe que tenho de estar em Quebec no sábado, à tarde.

Era quarta-feira.

- Impossível - respondi.
- Pois bem, se seu navio não pode levar-me, Deus acha­rá outro meio de transporte. Durante 57 anos nunca deixei de estar no lugar à hora em que me achava comprometido.

- Teria muito prazer em ajudá-lo, mas o que posso fa­zer? - Não há meios!

- Vamos aqui dentro para orar - sugeriu.

Olhei para aquele homem e disse a mim mesmo: 'De qual casa de doidos escapou este?' Nunca eu ouvira al­guém falar desse modo.

- Sr. Müller, o senhor vê como é espessa esta neblina.

- Não - respondeu ele - os meus olhos não estão na neblina, mas no Deus vivo que governa todas as circuns­tâncias da minha vida.

O senhor Müller caiu de joelhos e orou da forma mais simples possível. Eu pensei: 'É uma oração como a de uma criança de oito ou nove anos'. Foi mais ou menos assim que ele orou: 'Ó Senhor, se for da tua vontade, retira esta neblina dentro de cinco minutos. Sabes como me compro­meti a estar em Quebec no sábado. Creio ser isso a tua von­tade."

Quando findou, eu queria orar também, mas o senhor Müller pôs a sua mão no meu ombro e pediu que não o fi­zesse, dizendo:

- Comandante, primeiro o senhor não crê que Deus faça isso, e, em segundo lugar, eu creio que Ele já o fez. Não há, pois, qualquer necessidade de o senhor orar nesse sentido. Conheço, comandante, o meu Senhor há cinqüen­ta e sete anos e não há dia em que eu não tenha audiência com Ele. Levante-se, por favor, abra a porta e verá que a neblina já desapareceu.

Levantei-me, olhei, e a neblina havia desaparecido. No sábado, à tarde, Jorge Müller estava em Quebec.'"

Para o ajudar a levar a carga dos orfanatos e a apro­priar-se das promessas de Deus em oração, lado a lado com ele, Jorge Müller tinha consigo, havia quase quarenta anos, uma esposa sempre fiel. Quando ela faleceu, milha­res de pessoas assistiram ao seu enterro, das quais cerca de 1.200 eram órfãos. Ele mesmo, fortalecido pelo Senhor, conforme confessou, dirigiu os cultos fúnebres no templo e no cemitério.

Com a idade de 90 anos pregou o sermão fúnebre da se­gunda esposa, como o fizera na morte da primeira. Uma pessoa que assistiu a esse enterro, assim se expressou: -"Tive o privilégio, sexta-feira, de assistir ao enterro da se­nhora Müller... e presenciar um culto simples, que foi, tal­vez, pelas suas peculiaridades, o único na história do mun­do: Um venerável patriarca preside ao culto do início ao fim. Com a idade de noventa anos, permanece ainda cheio daquela grande fé que o tem habilitado a alcançar tanto, e que o tem sustentado em emergência, problemas e traba­lhos duma longa vida..."

No ano de 1898, com a idade de noventa e três anos, na última noite antes de partir para estar com Cristo, sem mostrar sinal de diminuição de suas forças físicas, deitou-se como de costume. Na manhã do dia seguinte foi "cha­mado", na expressão de um amigo ao receber as notícias que assim explicam a partida: "O querido ancião Müller desapareceu de nosso meio para o Lar, quando o Mestre abriu a porta e o chamou ternamente, dizendo: 'Vem!'"

Os jornais publicaram, meio século depois da sua mor­te, a seguinte notícia: "O orfanato de Jorge Müller, em Bristol, permanece como uma das maravilhas do mundo. Desde a sua fundação, em 1836, a cifra que Deus tem con­cedido, unicamente em resposta às orações, sobe a mais de vinte milhões de dólares e o número de órfãos ascende a 19.935. Apesar de os vidros de cerca de 400 janelas terem sido partidos recentemente por bombas (na segunda guer­ra mundial), nenhuma criança e nenhum auxiliar foi feri­do".

(extraido do livro hérois da fé)






terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Biografia dos hérois da fé Carlos Finney - (1792-1875) Apóstolo de avivamentos


Biografia dos hérois da fé
Carlos Finney - (1792-1875)
Apóstolo de avivamentos

(1792-1875)
Perto da aldeia de New York Mills, no século dezenove, havia uma fábrica de tecidos movida pela força das águas do rio Oriskany. Certa manhã, os operários se achavam co­movidos, conversando sobre o poderoso culto da noite an­terior, no prédio da escola pública.

Não muito depois de começar o ruído das máquinas, o pregador, um rapaz alto e atlético, entrou na fábrica. O po­der do Espírito Santo ainda permanecia sobre ele; os ope­rários, ao vê-lo, sentiram a culpa de seus pecados a ponto de terem de se esforçar para poderem continuar a traba­lhar. Ao passar perto de duas moças que trabalhavam jun­tas, uma delas, no ato de emendar um fio, foi tomada de tão forte convicção, que caiu em terra, chorando. Segundos depois, quase todos em redor tinham lágrimas nos olhos e, em poucos minutos, o avivamento encheu todas as depen­dências da fábrica.

O diretor, vendo que os operários não podiam traba­lhar, achou que seria melhor cuidassem da salvação da al­-ma, e mandou que parassem as máquinas. A comporta das águas foi fechada e os operários se ajuntaram em um salão do edifício. O Espírito Santo operou com grande poder e dentro de poucos dias quase todos se converteram.

Diz-se acerca deste pregador, que se chamava Carlos Finney, que, depois de ele pregar em Governeur, no Estado de New York, não houve baile nem representação de teatro na cidade durante seis anos. Calcula-se que, durante os anos de 1857 e 1858, mais de 100 mil pessoas foram ganhas para Cristo pela obra direta e indireta de Finney. A sua au­tobiografia é o mais maravilhoso relato de manifestação do Espírito Santo, excetuando o livro de Atos dos Apóstolos. Alguns consideram o seu livro, "Teologia Sistemática", a maior obra sobre teologia, a não ser as Sagradas Escritu­ras.

- Como se explica o seu êxito tão destacado nos anais dos servos da Igreja de Cristo? - Sem dúvida era, antes de tudo, o resultado da sua profunda conversão.

Nasceu de uma família descrente e se criou em um lu­gar onde os membros da igreja conheciam, apenas, a for­malidade fria dos cultos. Finney era advogado; ao encon­trar, nos seus livros de jurisprudência, muitas citações da Bíblia comprou um exemplar com a intenção de conhecer as Escrituras. O resultado foi que, após a leitura, achou mais e mais interesse nos cultos dos crentes. Acerca da sua conversão ele relata, na sua autobiografia, o seguinte:

"Ao ler a Bíblia, ao assistir às reuniões de oração, e ou­vir os sermões de senhor Gale, percebi que não me achava pronto a entrar nos céus... Fiquei impressionado especial­mente com o fato de as orações dos crentes, semana após semana, não serem respondidas. Li na Bíblia: 'Pedi e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á'. Li, também, que Deus é mais pronto a dar o Espírito Santo aos que lho pedirem, do que os pais terrestres a darem boas coisas aos filhos. Ouvia os crentes pedirem um derrama­mento do Espírito Santo e confessarem, depois, que não o receberam.

"Exortavam uns aos outros a se despertarem para pe­dir, em oração, um derramamento do Espírito de Deus e afirmavam que assim haveria um avivamento com a conversão de pecadores... Mas ao ler mais a Bíblia, vi que as orações dos crentes não eram respondidas porque não ti­nham fé, isto é, não esperavam que Deus lhes daria o que pediam... Entretanto, com isso senti um alívio acerca da veracidade do Evangelho... e fiquei convicto de que a Bíblia, apesar de tudo, é a verdadeira Palavra de Deus.

"Foi num domingo de 1821 que assentei no coração re­solver o problema sobre a salvação da minha alma e ter paz com Deus. Apesar das minhas grandes preocupações como advogado, resolvi seguir rigorosamente a determina­ção de ser salvo. Pela providência de Deus, não me achei muito ocupado nem segunda nem terça-feira, e consegui passar a maior parte do tempo lendo a Bíblia e orando.

"Mas ao encarar a situação resolutamente, achei-me sem coragem para orar sem tapar o buraco da fechadura. Antes deixava a Bíblia aberta na mesa com os outros livros e não me envergonhava de lê-la diante do próximo. Mas então, se entrasse alguém, eu colocaria um livro aberto sobre a Bíblia para escondê-la.

"Durante a segunda e a terça-feira, a minha con­vicção aumentou, mas parecia que o coração se havia en­durecido: eu não podia chorar, nem orar... Terça-feira, à noite, senti-me muito nervoso e parecia-me estar perto da morte. Reconhecia que, se eu morresse, por certo iria para o Inferno.

"De manhã cedo, fui para o gabinete... Parecia que uma voz me perguntava: - 'Por que esperas? Não prometes-te dar o coração a Deus? O que experimentas fazer? - al­cançar a justificação pelas obras?' Foi então que vi, clara­mente, como qualquer vez depois, a realidade e a plenitu­de da propiciação de Cristo. Vi que sua obra era completa e, em vez de eu necessitar duma justiça própria para Deus me aceitar, tinha de sujeitar-me à justiça de Deus por in­termédio de Cristo... Sem o saber, fiquei imóvel, não sei por quanto tempo, no meio da rua, no lugar onde a voz de dentro se dirigiu a mim. Então me veio a pergunta: - 'Aceitá-lo-ás, agora, hoje?' Repliquei: - 'Aceita-lo-ei hoje ou me esforçarei para isso até morrer...' Em vez de ir ao gabi­nete, voltei para entrar na floresta, onde podia derramar a alma sem alguém me ver nem me ouvir."Porém, o meu orgulho continuava a se manifestar; passei por cima dum alto e andei furtivamente atrás duma cerca, para que ninguém me visse, e pensasse que ia orar. Penetrei dentro da mata cerca de meio quilômetro, onde achei um lugar mais escondido entre algumas árvores caí­das. Ao entrar, disse a mim mesmo: 'Entregarei o coração a Deus, ou então não sairei daqui'.

"Mas ao tentar orar, o coração não queria. Pensara que, uma vez sozinho, onde ninguém pudesse ouvir-me, podia orar livremente. Porém, ao experimentar fazê-lo, achei-me sem coisa alguma a dizer a Delis. Toda a vez que tentava orar, parecia-me ouvir alguém chegando.

"Por fim, achei-me quase em desespero. O coração es­tava morto para com Deus e não queria orar. Então repro­vei-me a mim mesmo por ter-me comprometido a entregar o coração a Deus antes de sair da mata. Comecei a pensar que Deus já me tivesse abandonado... Achei-me tomado de uma fraqueza demasiadamente grande para ficar de joe­lhos.

"Foi justamente nessa altura que pensei novamente que ouvia alguém se aproximando e abri os olhos para ver. Logo foi-me revelado que o orgulho do meu coração era a barreira entre mim e a minha salvação. Fui vencido pela convicção do grande pecado de eu envergonhar-me se al­guém me encontrasse de joelhos perante Deus, e bradei em alta voz que não abandonaria o lugar, nem que todos os ho­mens da terra e todos os demônios do Inferno me cercas­sem. Gritei: 'Ora, um vil pecador como eu, de joelhos pe­rante o grande e santo Deus, e confessando-lhes os peca­dos, e me envergonho dele perante o próximo, pecador também, porque me encontro de joelhos para achar paz com o meu Deus ofendido!' O pecado parecia-me horren­do, infinito. Fiquei quebrantado até o pó perante o Senhor. Nessa altura, a seguinte passagem me iluminou: 'Então me invocareis, e ireis, e orareis a mim, e eu vos ouvirei. E buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração...'

"Continuei a orar e a receber promessas e a apropriar-me delas, não sei por quanto tempo. Orei até que sem sa­ber como, achei-me voltando para a estrada. Lembro-mede que disse a mim mesmo: 'Se eu me converter, pregarei o Evangelho'.

"Na estrada, voltando para a aldeia, certifiquei-me da preciosa paz e da gloriosa calma na minha mente. - 'Que é isso?' Perguntei-me a mim mesmo. - 'Entristecera eu o Espírito Santo até retirar-se de mim? Não sinto mais con­vicção...' Então lembrei-me de que dissera a Deus, que confiaria na sua Palavra... A calma de meu espírito era in­descritível... Fui almoçar, mas não tinha vontade de co­mer. Fui ao gabinete, mas meu sócio não voltara do almo­ço. Comecei a tocar a música de um hino no rebecão, como de costume. Porém, ao começar a cantar as palavras sagra­das, o coração parecia derreter-se e só podia chorar...

"Ao entrar e fechar a porta atrás de mim, parecia-me ter encontrado o Senhor Jesus Cristo face a face. Não me entrou na mente, na ocasião, nem por algum tempo de­pois, que era apenas uma concepção mental. Ao contrário, parecia-me que eu o encontrara como encontro qualquer pessoa. Ele não disse coisa alguma, mas olhou para mim de tal forma, que fiquei quebrantado e prostrado aos seus pés. Isso, para mim, foi, depois, uma experiência extraor­dinária, porque parecia-me uma realidade, como se Ele mesmo ficasse em pé perante mim, e eu me prostrasse aos seus pés e lhe derramasse a minha alma. Chorei alto e fiz tanta confissão quanto foi possível, entre soluços. Parecia-me que lavava os seus pés com as minhas lágrimas; contu­do, sem sentir ter tocado na sua pessoa...

"Ao virar-me para me sentar, recebi o poderoso batis­mo com o Espírito Santo. Sem o esperar, sem mesmo saber que havia tal para mim, o Espírito Santo desceu de tal ma­neira, que parecia encher-me corpo e alma. Senti-o como uma onda elétrica que me traspassava repetidamente. De fato, parecia-me como ondas de amor liquefeito; porque não sei outra maneira de descrever isso. Parecia o próprio fôlego de Deus.

"Não existem palavras para descrever o maravilhoso amor derramado no meu coração. Chorei de tanto gozo e amor que senti; acho melhor dizer que exprimi, chorando em alta voz, as inundações indizíveis do meu coração. As ondas passaram sobre mim, uma após outra, até eu clamar: 'Morrerei, se estas ondas continuarem a passar sobre mim!.Senhor, não suporto mais!' Contudo, não receava a morte.

"Não sei por quanto tempo este batismo continuou a passar sobre mim e por todo o meu ser. Mas sei que era já noite quando o dirigente do coro veio ao gabinete para me visitar. Encontrou-me nesse estado de choro aos gritos e perguntou: - 'Sr. Finney, que tem?' Por algum tempo não pude responder-lhe. Então ele perguntou mais: - 'Está sentindo alguma dor?' Com dificuldade respondi: - Não, mas sinto-me demasiado feliz para viver.

"Saiu e, daí a pouco, voltou acompanhado por um dos anciãos da igreja. Esse ancião sempre foi um homem de espírito ponderado e quase nunca ria. Ele, ao entrar, en­controu-me no mesmo estado, mais ou menos, como quan­do o rapaz o foi chamar. Queria saber o que eu sentia e eu comecei a lhe explicar. Mas, em vez de responder-me, foi tomado de um riso espasmódico. Parecia impossível evitar o riso que procedia do fundo do seu coração."

Nessa altura, entrou certo rapaz que começara a fre­qüentar os cultos da igreja. Presenciou tudo por alguns momentos, até cair ao chão em grande angústia de alma, clamando: "Orem por mim!"

O ancião da igreja e o outro crente oraram e depois Fin­ney também orou e logo após todos se retiraram deixando Finney sozinho.

Ao deitar-se para dormir, Finney adormeceu, mas logo se acordou, por causa do amor que lhe transbordava do co­ração. Isso aconteceu repetidas vezes durante a noite. Sobre isso ele escreveu depois:

"Quando me acordei, de manhã, a luz do sol penetrava no quarto. Faltam-me palavras para exprimir os meus sen­timentos ao ver a luz do sol. No mesmo instante, o batismo do dia anterior voltou sobre mim. Ajoelhei-me ao lado da cama e chorei pelo gozo que sentia. Passei muito tempo sem poder fazer coisa alguma senão derramar a alma pe­rante Deus".

Durante o dia, o povo se ocupava em falar na conversão do advogado. Ao anoitecer, sem qualquer anúncio do culto, ajuntou-se uma multidão no templo. Quando Finney relatou o que Deus fizera na sua alma, muitos foram profunda­mente comovidos; um, sentiu-se tão convicto que voltou a casa sem o chapéu. Certo advogado afirmou: "É claro que ele é sincero; mas que enlouqueceu, é evidente." Finney fa­lou e orou com grande liberdade. Realizavam-se cultos to­das as noites por algum tempo, aos quais assistiam pessoas de todas as classes. Esse grande avivamento espalhou-se para muitos lugares em redor.

Finney continuou:

"Por oito dias [depois da sua conversão) o meu cora­ção permanecia tão cheio, que não sentia desejo de comer nem de dormir. Parecia-me que tinha um manjar para co­mer que o mundo não conhecia. Não sentia necessidade de alimentar-me nem de dormir... Por fim, cheguei a ver que devia comer como de costume e dormir quanto fosse possí­vel.

"Grande poder acompanhava a Palavra de Deus; todos os dias admirava-me ao notar como poucas palavras, diri­gidas a uma pessoa, traspassavam-lhe o coração como uma seta.

"Não demorei muito em ir visitar meu pai. Ele não era salvo; o único membro da família que fizera profissão de religião era meu irmão mais novo. Meu pai encontrou-me no portão e me perguntou: - 'Como tem passado, Carlos?' Respondi-lhe: - Bem, meu pai, tanto no corpo como na al­ma. Meu pai, o senhor já é idoso, todos os seus filhos estão crescidos e casados; e nunca ouvi alguém orar na sua casa. Ele baixou a cabeça e começou a chorar, dizendo: - 'É ver­dade, Carlos; entre, e você mesmo ore'.

"Entramos e oramos. Meus pais ficaram comovidos e, não muito depois, converteram-se. Se a minha mãe tinha qualquer esperança antes, ninguém o sabia".

Assim, esse advogado, Carlos G. Finney, perdeu todo o gosto pela sua profissão e se tornou um dos mais famosos pregadores do Evangelho. Acerca de seu método de trabalhar, ele escreveu:

"Dei grande ênfase à oração como indispensável, se realmente queríamos um avivamento. Esforçava-me por ensinar a propiciação de Jesus Cristo, sua divindade, sua missão divina, sua vida perfeita, sua morte vicária, sua ressurreição, a necessidade de arrependimento e de fé, a justificação pela fé, e outras doutrinas que se tornaram vi­vas pelo poder do Espírito Santo.

"Os meios empregados eram simplesmente pregação, cultos de oração, muita oração em secreto, intensivo evangelismo pessoal e cultos para a instrução dos interessados.

"Eu tinha o costume de passar muito tempo orando; acho que, às vezes, orava realmente sem cessar. Achei, também, grande proveito em observar freqüentemente dias inteiros de jejum em secreto. Em tais dias, para ficar inteiramente sozinho com Deus, eu entrava na mata, ou me fechava dentro do templo..."

Vê-se no seguinte, a maneira como Finney e seu com­panheiro de oração, o irmão Nash, "bombardeavam" os céus com as suas intercessões:

"Quase um quilômetro distante da residência do se­nhor S, morava certo adepto do universalismo. Nos seus preconceitos religiosos, recusava-se a assistir aos cultos. Certa vez o irmão Nash, que se hospedava comigo na casa do senhor S, retirou-se para dentro da mata para lutar em oração, sozinho, bem cedo de madrugada, conforme seu costume. A atmosfera era tal nessa ocasião que se ouvia qualquer som de longe. O universalista ao levantar-se, de madrugada, saiu de casa e ouviu a voz de quem orava, e, apesar de não compreender muitas das palavras, reconhe­ceu quem orava. E isso traspassou-lhe o coração como uma flecha. Sentiu a realidade da religião como nunca. A flecha permanecia. E ele achou alívio somente crendo em Cris­to".

Acerca do espírito de oração, Finney afirmou que "era coisa comum nesses avivamentos, os recém-convertidos se acharem tomados pelo desejo de orar noites inteiras até lhes faltarem as forças físicas. O Espírito Santo constran­gia grandemente o coração dos crentes, e sentiam constan­temente a responsabilidade pela salvação das almas imor­tais. A solenidade da mente se manifestava no cuidado com que falavam e se comportavam. Era muito comum encontrar crentes juntos caídos de joelhos em oração em vez de ocupados em palestras".

Em certo tempo, quando as nuvens de perseguição enegreciam cada vez mais, Finney, como era seu costume sob tais circunstâncias, sentia-se dirigido a dissipá-las, oran­do. Em vez de falar pública ou particularmente acerca das acusações, ele orava. Acerca da sua experiência escreveu: "Eu olhava para Deus com grande anelo, dia após dia, ro­gando que Ele me mostrasse o plano a seguir e a graça para suportar a borrasca... O Senhor mostrou-me, em uma vi­são, o que eu tinha de enfrentar. Ele chegou-se tão perto de mim, enquanto eu orava, que a minha carne literalmente estremecia sobre os ossos. Eu tremia da cabeça aos pés, sob o pleno conhecimento da presença de Deus".

Acrescentamos mais um exemplo, tirado da sua auto­biografia, da maneira de o Espírito Santo operar na sua pregação:

"Ao chegar, na hora anunciada para iniciar o culto, achei o prédio da escola repleto e tinha de ficar em pé perto da entrada. Cantamos um hino, isto é, o povo pretendia cantar. Entretanto, eles não tinham o costume de cantar os hinos de Deus, e cada um desentoava à sua própria ma­neira. Não podia conter-me e lancei-me de joelhos e come­cei a orar. O Senhor abriu as janelas dos céus, derramou o espírito de oração e entreguei-me de toda a alma a orar.

"Não escolhera um texto, mas logo ao levantar-me dos joelhos, eu disse: Levantai-vos, saí deste lugar, porque o Senhor há de destruir a cidade . Acrescentei que havia dois homens, um se chamava Abraão, e outro, Ló... Contei-lhes como Ló se mudara para Sodoma... O lugar era excessiva­mente corrupto... Deus resolveu destruir a cidade e Abraão orou por Sodoma. Mas os anjos acharam somente um justo lá, era Ló. Os anjos disseram: 'Tens alguém mais aqui? Teu genro, e teus filhos, e tuas filhas, e todos quantos tens nesta cidade, tira-os fora deste lugar; porque nós vamos destruir este lugar, porque o seu clamor tem engrossado diante da face do Senhor, e o Senhor nos enviou a destruí-lo'.

"Ao relatar estas coisas, os ouvintes se mostraram ira­dos a ponto de me açoitarem. Nessa altura, deixei de pre­gar e lhes expliquei que compreendera que nunca se reali­zara culto ali e que eu tinha o direito de, assim, considerá-los corruptos. Salientei isso com mais e mais ênfase e, com o coração cheio de amor até não poder mais conter-me.

"Depois de eu assim falar cerca de quinze minutos, pa­recia cair sobre os ouvintes uma tremenda solenidade e co­meçaram a cair ao chão, clamando e pedindo misericórdia. Se eu tivesse tido uma espada em cada mão, não os pode­ria derrubar tão depressa como caíram. De fato, dois mi­nutos depois de os ouvintes sentirem o choque do Espírito vir sobre eles, quase todos estavam ou caídos de joelhos ou prostrados no chão. Todos os que podiam falar de qualquer maneira, oravam por si mesmos.

"Tive de deixar de pregar, porque os ouvintes não pres­tavam mais atenção. Vi o ancião que me convidara para pregar, sentado no meio do salão, olhando em redor, estu­pefato. Gritei bem alto para ele ouvir, apesar da balbúrdia, pedindo-lhe que orasse. Caiu de joelhos e começou a orar em voz retumbante; mas o povo não prestou atenção. Gritei: Vós não estais ainda no Inferno; quero dirigir-vos a Cristo. O coração transbordava de gozo ao presenciar tal cena. Quando pude dominar os meus sentimentos, virei-me para um rapaz que estava perto de mim, consegui atrair a sua atenção e preguei Cristo, em voz bem alta, ao seu ouvido. Logo, ao olhar para a 'cruz' de Cristo, ele acal­mou-se por um pouco e então rompeu em oração pelos ou­tros. Depois fiz o mesmo com um outro; depois com mais outro e continuei assim tratando com eles até a hora do culto da noite, na aldeia. Deixei o ancião que me convidara a pregar, para continuar a obra com os que oravam.

"Ao voltar, havia tantos clamando a Deus que não po­demos encerrar a reunião, que continuou o resto da noite. Ao amanhecer o dia, alguns ainda permaneciam com a alma ferida. Não se podiam levantar e, para dar lugar às aulas, foi necessário levá-los a uma residência não muito distante. De tarde mandaram chamar-me porque ainda não findara o culto.

"Só nesta ocasião cheguei a saber a razão de o auditório agastar-se da mensagem. Aquele lugar cognominava-se 'Sodoma' e havia somente um homem piedoso lá a quem o povo tratava de 'Ló'. Era o ancião que me convidara a pre­gar."Depois de já velho, Finney escreveu acerca do que o Se­nhor fez em "Sodoma". "Embora esse avivamento caísse tão repentinamente sobre eles era tão empolgante que as conversões eram profundas e a obra permanente e genuína. Nunca ouvi falar em qualquer repercussão desfavorável."

Não foi só na América do Norte que Finney viu o Espí­rito Santo cair e abater os ouvintes em terra. Na Inglater­ra, durante os nove meses de evangelização, que Finney promoveu lá, multidões também se prostraram enquanto ele pregava - em certa ocasião mais de dois mil, de uma vez.

Alguns pregadores confiam na instrução e ignoram a obra do Espírito Santo. Outros, com razão, rejeitam tal ministério infrutífero e sem graça; oram a Deus para o Espírito Santo tomar conta e alegram-se no grande pro­gresso da obra de Deus. Mas, ainda outros, como Finney, dedicam-se a buscar o poder do Espírito Santo, sem des­prezar a arma de instrução, e vêem resultados incrivel­mente mais vastos.

Durante os anos de 1851 a 1866, Finney foi diretor do Colégio de Oberlin e ensinou a um total de 20 mil estudan­tes. Dava mais ênfase ao coração puro e ao batismo com o Espírito Santo do que à preparação do intelecto; de Ober­lin saiu uma corrente contínua de alunos cheios do Espíri­to Santo. Assim, depois dos anos de uma campanha inten­siva de evangelismo e no meio dos seus esforços no colégio, "em 1857, Finney via cerca de 50 mil, todas as semanas, converterem-se a Deus." (By My Spirit, Jônathan Go­forth, p. 183.) Os diários de New York, às vezes quase não publicavam outras notícias, senão do avivamento.

Suas lições aos crentes sobre avivamento foram publi­cadas, primeiro em um jornal e depois em um livro de 445 páginas e que se intitulava "Discursos Sobre Avivamen­tos". As primeiras duas edições, de 12 mil exemplares, fo­ram vendidas logo ao saírem do prelo. Outras edições fo­ram impressas em vários idiomas. Uma só editora em Lon­dres publicou 80 mil. Entre suas outras obras de circulação mundial, contam-se as seguintes: sua "Autobiografia", "Discursos aos Crentes" e "Teologia Sistemática".

Os convertidos nos cultos de Finney eram pela graça constrangidos a andar de casa em casa para ganhar almas. Ele mesmo se esforçava para preparar o maior número de obreiros em Oberlin College. Mas o desejo que ardia sem­pre em tudo era o de transmitir a todos o espírito de ora­ção. Pregadores como Abel Câry e Father Nash viajavam com ele e, enquanto ele pregava, eles continuavam prostrados em oração. Vejamos isso nas palavras de Finney:

"Se eu não tivesse o espírito de oração, não alcançaria coisa alguma. Se por um dia, ou por uma hora eu perdesse o espírito de graça e de súplica, não poderia pregar com po­der e fruto, e nem ganhar almas pessoalmente."

Para que alguém não julgue que a obra era superficial, citamos outro escritor: "Descobriu-se, por pesquisa empol­gante, que mais de 85 pessoas de cada 100 que se conver­tiam sob a pregação de Finney, permaneciam fiéis a Deus; enquanto 75 pessoas de cada cem, das que professaram conversão nos cultos de algum dos maiores pregadores, se desviavam. Parece que Finney tinha o poder de impressio­nar a consciência dos homens, sobre a necessidade de um viver santo, de tal maneira que produzia fruto mais per­manente." (Deeper Experiences of Famous Christians, p. 243.)

Finney continuou a inspirar os estudantes de Oberlin College até a idade de 82 anos. Já no fim da vida, perma­necia tão lúcido de mente como quando jovem e sua vida nunca foi tão rica no fruto do Espírito e na beleza da sua santidade do que nesses últimos anos. No domingo, 16 de agosto de 1875, pregou seu último sermão. Mas de noite não assistiu ao culto. Ao ouvir os crentes cantarem "Jesus lover of my soul, let me to Thy bosom fly", saiu até o por­tão na frente da casa, e com estes que tanto amava, foi a última vez que cantou na terra. Acordou-se à meia-noite, sofrendo dores lancinantes no coração. Sofrera assim mui­tas vezes durante a sua vida. Semeara as sementes de avi­vamento e as regara com lágrimas. Todas as vezes que re­cebeu o fogo da mão de Deus, foi com sofrimento. Final­mente, antes de amanhecer o dia, dormiu na terra para acordar na Glória, nos céus. Faltavam-lhe apenas treze dias para completar 83 anos de vida aqui na terra

(extraido do livro hérois da fé)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Adoniram Judson Missionário, pioneiro à Birmânia (1788-1850)


Adoniram Judson

Missionário, pioneiro à Birmânia

(1788-1850)
O missionário, magro e enfraquecido pelos sofrimentos e privações, foi conduzido entre os mais endurecidos crimi­nosos, com gado, a chicotadas e sobre a areia ardente, para a prisão. Sua esposa conseguiu entregar-lhe um travesseiro para que pudesse dormir melhor no duro solo da prisão. Porém ele descansava ainda melhor porque sabia que den­tro do travesseiro, que tinha abaixo da cabeça, estava es­condida a preciosa porção da Bíblia que traduzira com grandes esforços para a língua do povo que o perseguia.

Aconteceu que o carcereiro requisitou o travesseiro para o seu próprio uso! Que podia fazer o pobre missioná­rio para readquirir seu tesouro? A esposa então preparou, com grandes sacrifícios, um travesseiro melhor e conseguiu trocá-lo com o do carcereiro. Dessa forma a tradução da Bíblia foi conservada na prisão por quase dois anos; a Bíblia inteira, depois de completada por ele, foi dada, pela primeira vez, aos milhões de habitantes da Birmânia.Em toda a história, desde o tempo dos apóstolos, são poucos os nomes que nos inspiram tanto a esforçarmo-nos pela obra missionária como os nomes desse casal, Ana e Adoniram Judson. Em certa igreja em Malden, subúrbio de Boston, encontra-se uma placa de mármore com a se­guinte inscrição:

Memorial
Rev. Adoniram Judson
Nasceu: 9 - agosto - 1788
Morreu: 12 - abril - 1850
Lugar de seu nascimento: Malden
Lugar de seu sepultamento: o mar
Seu monumento: OS SALVOS DA BIRMÂNIA E A BÍBLIA BIRMANESA
Seu histórico: nas alturas

Adoniram fora uma criança precoce; sua mãe ensinou-o a ler um capítulo inteiro da Bíblia, antes de ele completar quatro anos de idade.

Seu pai inculcou-lhe o desejo ardente de, em tudo quanto fazia, aproximar-se sempre da perfeição, sobrepon­do-se a qualquer de seus companheiros. Esta foi a norma de toda a sua vida.

O tempo que passou nos estudos foram os anos em que o ateísmo, que teve sua origem na França, se infiltrou no país. O gozo de seus pais, ao saberem que o filho ganhara o primeiro lugar na sua classe, transformou-se em tristeza, quando ele os informou de que não mais acreditava na existência de Deus. O recém-diplomado sabia enfrentar os argumentos de seu pai, que era pastor instruído, e jamais sofrera de tais dúvidas. Contudo as lágrimas e admoestações de sua mãe, depois de o moço sair da casa paterna, es­tavam sempre perante ele.

Não muito depois de "ganhar o mundo", na casa dum tio, encontrou-se com um jovem pregador. Este conversou com ele tão seriamente acerca da sua alma, que Judson fi­cou muito impressionado. Passou o dia seguinte sozinho, em viagem a cavalo. Ao anoitecer, chegou a uma vila onde passou a noite numa pensão. No quarto contíguo ao que ele ocupou, estava um moço moribundo, e Judson não conse­guiu reconciliar o sono durante a noite. - O moribundo seria crente? Estaria preparado para morrer? Talvez fosse "livre pensador", filho de pais piedosos que oravam por ele! O que também o perturbava era a lembrança dos seus companheiros, os alunos agnósticos do colégio de Providence. Como se envergonharia, se os antigos colegas, espe­cialmente o sagaz compadre Ernesto, soubessem o que agora sentia em seu coração!

Ao amanhecer o dia, disseram-lhe que o moço morrera. Em resposta à sua pergunta, foi informado de que o faleci­do era um dos melhores alunos do colégio de Providence, cujo nome era Ernesto!

Judson, ao saber da morte de seu companheiro ateu, fi­cou estupefato. Sem saber como, estava em viagem de vol­ta a casa. Desde então desapareceram todas as suas dúvi­das acerca de Deus e da Bíblia. Soavam-lhe constante­mente aos ouvidos as palavras: "Morto! Perdido! Perdi­do!"

Não muito depois deste acontecimento, dedicou-se so­lenemente a Deus e começou a pregar. Que a sua consagra­ção era profunda e completa ficou provado pela maneira como se aplicou à obra de Deus.

Nesse tempo, Judson escreveu à noiva: "Em tudo que faço, pergunto a mim mesmo: Isto agradará ao Senhor?... Hoje alcancei maior grau do gozo de Deus, tenho sentido grande alegria perante o seu trono".

É assim que Judson nos conta a sua chamada para o serviço missionário: "Foi quando andava num lugar solitá­rio, na floresta, meditando e orando sobre o assunto e qua­se resolvido a abandonar a idéia, que me foi dada a ordem: 'Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatu­ra'. Este assunto foi-me apresentado tão claramente e com tanta força, que resolvi obedecer, apesar dos obstáculos que se apresentaram diante de mim".

Judson, com quatro dos seus colegas, reuniram-se junto a um montão de feno, para orarem e ali solenemente dedi­carem, perante Deus, suas vidas para levar o Evangelho "aos confins da terra". Não havia qualquer junta de mis­sões para os enviar. Contudo, Deus honrou a dedicação dos moços, tocando nos corações dos crentes, para suprirem o dinheiro.Judson foi chamado, então, a ocupar um lugar no corpo docente na universidade de Brown, mas recusou o convite. Depois foi chamado a pastorear uma das maiores igrejas da América do Norte. Este convite, também, foi rejeitado. Foi grande o desapontamento de seu paí e o choro de sua mãe e irmã ao saberem que Judson se oferecera para a obra de Deus no estrangeiro, onde nunca fora proclamado o Evangelho.

A esposa de Judson mostrou ainda mais heroísmo por­que era a primeira mulher que sairia dos Estados Unidos, como missionária. Com a idade de dezesseis anos, teve a sua primeira experiência religiosa. Vivia tão entregue à vaidade que seus conhecidos receavam o castigo repentino de Deus sobre ela. Então, em certo domingo, enquanto se preparava para o culto, ficou profundamente comovida pe­las palavras: "Aquela que vive nos prazeres, apesar de vi­ver, está morta". Acerca da sua vida transformada, escre­veu-lhe ela mais tarde: "Eu desfrutava dia após dia, a doce comunhão com o bendito Deus; no coração sentia o amor que me ligava aos crentes de todas as denominações; achei as sagradas Escrituras doces ao paladar, senti tão grande sede de conhecer as coisas religiosas que, freqüentemente, passava quase noites inteiras lendo". Todo o ardor que mostrara na vida mundana agora o sentia na obra de Cris­to. Por alguns anos, antes de aceitar a chamada missioná­ria, era professora e se esforçava em ganhar os alunos para Cristo.

Adoniram, depois de despedir-se de seus pais para ini­ciar sua viagem à Índia, foi acompanhado até Boston por seu irmão, Elnatã, moço ainda não-salvo. No caminho, os dois apearam dos seus cavalos, entraram na floresta e lá, de joelhos, Adoniram rogou a Deus que salvasse seu irmão. Quatro dias depois, os dois se separaram para não se verem mais neste mundo. Alguns anos depois, porém, Adoniram teve notícias de que seu irmão recebera também a herança no reino de Deus.

Judson e sua esposa embarcaram para a Índia em 1812, passando quatro meses a bordo do navio. Aproveitando essa oportunidade para estudar, os dois chegaram a com­preender que o batismo bíblico é por imersão, e não por aspersão, como a sua denominação o praticava. Não conside­rando a oposição de seus muitos conhecidos, nem o seu sustento, não vacilaram em informar isso àqueles que os ti­nham enviado. Foram batizados por imersão no porto de desembarque, Calcutá.

Expulsos logo dessa cidade, por causa da situação polí­tica, fugiram de país em país. Por fim, dezessete longos meses depois de partirem da América, chegaram a Ran­gum, na Birmânia. Judson estava quase exausto por causa­dos horrores que sofrera a bordo; sua esposa, estava tão perto da morte que não mais podia caminhar, sendo leva­da para terra em uma padiola.

O império da Birmânia de então era mais bárbaro, e de língua e costumes mais estranhos do que qualquer outro país que os Judson tinham visto. Ao desembarcarem os dois, em resposta às orações feitas durante as longas vigí­lias da noite, foram sustentados por uma fé invencível e pelo amor divino que os levava a sacrificar tudo, para que a gloriosa luz do Evangelho raiasse também nas almas dos habitantes desse país.

Agora, um século depois, podemos ver como o Mestre dirigia seus servos, fechando as portas, durante a prolon­gada viagem, para que não fossem aos lugares que espera­vam e desejavam ir. Hoje pode-se ver claramente que Ran­gum, o porto principal da Birmânia, era justamente o pon­to mais estratégico para iniciar a ofensiva da Igreja de Cristo contra o paganismo no continente asiático.

No difícil estudo do idioma birmanês foi necessário fa­zer o seu próprio dicionário e gramática. Passaram-se cin­co anos e meio antes de fazerem o primeiro culto para o po­vo. No mesmo ano batizaram o primeiro convertido apesar de cientes da ordem do rei de que ninguém podia mudar de crença sem ser condenado à morte.

Ao sair da sua terra para ser missionário, Judson levava uma soma considerável de dinheiro. Essa quantia ele a ga­nhara de seu emprego e parte recebeu-a de ofertas de pa­rentes e amigos. Não só colocou tudo isto aos pés daqueles que dirigiam a obra missionária mas, também, a elevada quantia de cinco mil e duzentos rúpias que o Governador Geral da Índia lhe pagara por seus serviços prestados por ocasião do armistício de Yandabo.

Recusou o emprego de intérprete do governo, com salá­rio elevado, escolhendo antes sofrer as maiores privações e o opróbrio, para ganhar as almas dos pobres birmaneses para Cristo.

Durante onze meses, esteve preso em Ava. (Ava era na­quele tempo a capital da Birmânia.) Passou alguns dias, com mais sessenta outros sentenciados à morte, encerrado em um edifício sem janelas, escuro e quente, abafado e imundo em extremo. Passava o dia com os pés e mãos no tronco. Para passar a noite, o carcereiro enfiava-lhe um bambu entre os pés acorrentados, juntando-o com outros prisioneiros e, por meio de cordas, arribava-os para apenas os ombros descansarem no chão. Além desse sofrimento, tinha de ouvir constantemente gemidos misturados com o falar torpe dos mais endurecidos criminosos da Birmânia. Vendo os outros prisioneiros arrastados para fora para morrer às mãos do carrasco, Judson podia dizer: "Cada dia morro". As cinco cadeias de ferro pesavam tanto, que le­vou as marcas das algemas no corpo até a morte. Certa­mente ele não teria resistido, se a sua fiel esposa não tives­se conseguido permissão do carcereiro para, no escuro da noite, levar-lhe comida e consolá-lo com palavras de espe­rança.

Um dia porém, ela não apareceu; essa ausência durou vinte longos dias. Ao reaparecer, trazia nos braços uma criancinha recém-nascida.

Judson, uma vez liberto da prisão, apressou-se o mais possível a chegar a casa, mas tinha as pernas estropiadas pelo longo tempo que passara no cárcere. Fazia muitos dias que não recebia notícias de sua querida Ana! - Ela ainda vivia? Por fim, encontrou-a, ainda viva, mas com febre, e próximo de morte.

Dessa vez ela ainda se levantou, mas antes de comple­tar 14 anos na Birmânia, faleceu. Comove a alma ao ler a dedicação de Ana Judson ao marido, e a parte que desem­penhou na obra de Deus, e em casa até o dia da sua morte.

Alguns meses depois da morte da esposa de Judson, a sua filha também morreu. Durante os seis longos anos que se seguiram, ele trabalhou sozinho, casando-se, então, com a viúva de outro missionário. A nova esposa, gozando os frutos dos esforços incessantes na Birmânia, mostrou-se tão dedicada ao marido como a primeira.

Judson perseverou durante vinte anos para completar a maior contribuição que se podia fazer à Birmânia, a tradu­ção da Bíblia inteira na própria língua do povo.

Depois de trabalhar constantemente no campo estran­geiro durante trinta e dois anos, para salvar a vida da espo­sa, embarcou com ela e três dos filhos, de volta à América, sua terra natal. Porém, em vez de ela melhorar da doença que sofria, como se esperava, morreu durante a viagem, sendo enterrada em Santa Helena, onde o navio aportou.

- Quem poderá descrever o que Judson sentiu ao de­sembarcar nos Estados Unidos, quarenta e cinco dias de­pois da morte da sua querida esposa?! Ele, que estivera au­sente durante tantos anos da sua terra, sentia-se agora per­turbado acerca da hospedagem nas cidades de seu país. Surpreendeu-se, depois de desembarcar, ao verificar que todas as casas se abriam para recebê-lo. Seu nome tornara-se conhecido de todos. Grandes multidões afluíam para ouvi-lo pregar. Porém, depois de passar trinta e dois anos ausente na Birmânia, naturalmente, sentia-se como se es­tivesse entre estrangeiros, e não queria levantar-se diante do público para falar na língua materna. Também sofria dos pulmões e era necessário que outrem repetisse para o povo o que ele apenas podia dizer balbuciando.

Conta-se que, certo dia, num trem, entrou um vende­dor de jornais. Judson aceitou um e, distraído, começou a lê-lo; o passageiro ao lado chamou-o a atenção, dizendo que o rapaz ainda esperava o níquel pelo jornal. Olhando para o vendedor, pediu desculpas, pois pensara que ofere­cessem o jornal de graça, visto que ele estava acostumado a distribuir muita literatura na Birmânia sem cobrar um centavo, durante muitos anos.

Passara apenas oito meses entre seus patrícios, quando se casou de novo e embarcou pela segunda vez para a Bir­mânia. Continuou a sua obra naquele país, sem cansar, até alcançar a idade de sessenta e um anos. Judson foi, então, chamado a estar com o seu Mestre enquanto viajava longe da família. Conforme o seu desejo, foi sepultado em alto mar.

Adoniram Judson costumava passar muito tempo orando de madrugada e de noite. Diz-se que gozava da mais íntima comunhão com Deus enquanto caminhava apressadamente. Os filhos, ao ouvirem seus passos firmes e resolutos dentro do quarto, sabiam que seu pai estava le­vando suas orações ao trono da graça. Seu conselho era: "Planeja os teus negócios se for possível, para passares duas a três horas, todos os dias, não só em adoração a Deus, mas orando em secreto".

Sua esposa conta que, durante a sua última doença, antes de falecer, ela leu para ele a notícia de certo jornal, acerca da conversão de alguns judeus na Palestina, justa­mente onde Judson queria trabalhar antes de ir à Birmâ­nia. Esses judeus, depois de lerem a história dos sofrimen­tos de Judson na prisão de Ava, foram inspirados a pedir, também, um missionário e assim iniciou-se uma grande obra entre eles.

Ao ouvir isto, os olhos de Judson se encheram de lágri­mas, tendo o semblante solene e a glória dos céus estampa­da no rosto, tomou a mão de sua esposa dizendo: "Queri­da, isto me espanta. Não compreendo. Refiro-me à notícia que leste. Nunca orei sinceramente por uma coisa sem a receber; recebi-a apesar de demorada, de alguma maneira, e talvez numa forma que não esperava, mas a recebi. Con­tudo, sobre este assunto eu tinha tão pouca fé! Que Deus me perdoe e, enquanto na sua graça quiser me usar como seu instrumento, limpe toda a incredulidade de meu cora­ção".

Nesta história, nota-se outro fato glorioso: Deus não só concede frutos pelos esforços dos seus servos, mas, tam­bém, pelos seus sofrimentos. Por muitos anos, até pouco antes da sua morte, Judson considerava os longos meses de horrores da prisão em Ava, como inteiramente perdidos à obra missionária.

No começo do trabalho na Birmânia, Judson concebeu a idéia de evangelizar, por fim, todo o país. A sua maior es­perança era ver durante a sua vida, uma igreja de cem birmaneses salvos e a Bíblia impressa na língua desse país.No ano da sua morte, porém, havia sessenta e três igrejas e mais de sete mil batizados, sendo os trabalhos dirigidos por cento e sessenta e três missionários, pastores e auxilia­res. As horas que passou diariamente suplicando ao Deus que dá mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, não foram perdidas.

Durante os últimos dias da sua vida fazia menção, mui­tas vezes, do amor de Cristo. Com os olhos iluminados e as lágrimas correndo-lhe pelas faces, exclamava: "Oh! o amor de Cristo! O maravilhoso amor de Cristo, a bendita obra do amor de Cristo!" Certa ocasião ele disse: "Tive tais visões do amor condescendente de Cristo e da glória do Céu, que, creio, quase nunca são concedidas aos homens. Oh! o amor de Cristo! É o mistério da inspiração da vida e a fonte da felicidade nos céus. Oh! o amor de Jesus! Não o podemos compreender agora, mas quão grande será em toda a eternidade!

Acrescentamos o último parágrafo da biografia de Ado­niram Judson escrita por um dos seus filhos. Quem pode lê-lo sem sentir o Espírito Santo o animar a tomar parte ativa e definida em levar o Evangelho a um dos muitos lu­gares sem o Evangelho?

Até aquele dia, quando todo o joelho se dobrará perante o Senhor Jesus, os corações crentes serão movidos aos maiores esforços, pela lembrança de Ana Judson, enterra­da debaixo do hopiá (uma árvore) na Birmânia; de Sara Judson, cujo corpo descansa na ilha pedregosa de Santa Helena e de Adoniram Judson, sepultado nas águas do oceano Índico.

(extraido do livro hérois da fé)