sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

João Paton Missionário aos antropófagos (1824-1907)


João Paton
 Missionário aos antropófagos

(1824-1907)
Perto de Dalswinton, na Escócia, morava um casal co­nhecido em toda a região como os velhos Adão e Eva. A esse lar veio em visita uma sobrinha, Janete Rogerson. É de supor-se que não houvesse muita coisa na casa isolada dos velhos para distrair a jovem, sempre viva e alegre. Mas uma coisa atraiu-lhe o interesse: um rapaz chamado Tiago Paton, que entrava, dia após dia, no matagal perto da ca­sa. Levava sempre um livro na mão, como se fosse ali para estudar e meditar. Certo dia, a moça, vencida pela curiosi­dade, entrou furtivamente por entre as árvores e espiou o rapaz recitando os Sonetos Evangélicos de Erskine. A sua curiosidade tornou-se em santa admiração quando o jo­vem, deixando o chapéu no chão, ajoelhou-se debaixo duma árvore para derramar a alma em oração perante Deus. Ela, espírito de brincalhona, avançou e pendurou o chapéu em um galho que estava próximo. Em seguida es­condeu-se onde podia, sem ser vista, para presenciar o ra­paz perplexo, a procurar o chapéu. No dia seguinte a cena se repetiu. Mas o coração da moça comoveu-se ao ver a perturbação do rapaz, imóvel por alguns minutos com o chapéu na mão. Foi assim que ele, ao voltar no dia seguin­te ao lugar onde se ajoelhava diariamente, achou um car­tão preso na árvore. No cartão leu: "A pessoa que escondeu seu chapéu confessa-se sinceramente arrependida de tê-lo feito e pede que ore, rogando a Deus que a torne crente tão sincera como o senhor".

O jovem fitou por algum tempo o cartão esquecendo-se completamente naquele dia dos sonetos. Por fim, tirou o cartão da árvore. Estava reprovando a si mesmo e à sua es­tupidez por não saber que fora um ser humano quem es­condera o chapéu duas vezes, quando, por entre as árvores, uma moça, balde na mão e cantando um hino escocês, pas­sou na frente da casa do velho Adão.

Naquele momento, o moço, por instinto divino e tão in­falivelmente, como por qualquer voz que jamais falara a um profeta de Deus, sabia que a visita angélica que invadi­ra seu retiro de oração fora a gentil e hábil sobrinha dos ve­lhos Adão e Eva. Tiago Paton ainda não conhecia Janete Rogerson, mas ouvira falar nas suas extraordinárias quali­ficações intelectuais e espirituais.

E provável que Tiago Paton começasse a orar por ela -em um sentido diferente daquele que ela pedira. De qual­quer forma, a moça furtara não somente o chapéu do ra­paz, mas também, o seu leal coração - um furto que resul­tou, por fim, no casamento dos dois.

Tiago Paton, fabricante de meias no condado de Dunfries, e sua esposa Janete, andavam, como Zacarias e Isa­bel na Antiguidade, irrepreensíveis perante o Senhor. Ao nascer-lhes o primogênito, deram-lhe o nome de João, dedicando-o solenemente a Deus, com oração, para ser mis­sionário ao povos que não tinham oportunidade de conhe­cer a Cristo.

Entre a casa própria, em que morava a família dos Patons, e a parte que servia de fábrica, havia um pequeno aposento. Acerca desse quarto, João Paton escreveu:

"Era o santuário de nossa humilde casa. Várias vezes ao dia, geralmente depois das refeições, o nosso pai entra­va nesse quarto e, 'fechada a porta', orava. Nós, seus filhos, compreendíamos, como se fosse por instinto espiri­tual, que se derramavam orações por nós, como fazia na antiguidade o sumo sacerdote, quando entrava no Santo dos Santos, em favor do povo. De vez em quando se ouvia o eco duma voz em tons de quem suplica pela vida; passáva­mos pela porta nas pontinhas dos pés, de modo a não per­turbar a santa e íntima conversação. O mundo lá fora não sabia de onde vinha o gozo que brilhava no rosto de nosso pai, mas nós, seus filhos, o sabíamos: era o reflexo da pre­sença divina, que era sempre uma realidade para ele na vida cotidiana. Nunca espero, quer num templo, quer nas serras, quer nos vales, sentir Deus mais perto, mais visível, andando e conversando mais intimamente com os homens do que naquela humilde casa coberta de palha. Se, por uma catástrofe indizível, tudo quanto pertence à religião fosse apagado da memória, minha alma reverteria de novo ao tempo da minha mocidade: ela fechar-se-ia naquele santuário e, ao ouvir novamente os ecos daquelas súplicas a Deus, lançaria para longe toda a dúvida com este grito vitorioso: 'Meu pai andava com Deus; porque não posso eu também andar?'".

Na autobiografia de João Paton, vê-se que as suas lutas diárias eram grandes. Mas o que lemos abaixo revela qual a força que operava para que ele sempre avançasse na obra de Deus.

"Antes, realizava-se culto doméstico na casa de meus avós somente aos domingos, mas meu pai convenceu pri­meiro a minha avó a orar, ler um trecho da Bíblia e cantar um hino diariamente, pela manhã e à noite; depois todos os membros da família seguiram esse costume. Foi assim que meu pai começou, aos dezessete anos de idade, o ben­dito costume de fazer cultos matutinos e vespertinos em casa; costume que observou, talvez sem uma única exce­ção, até se achar no leito de morte, com setenta e sete anos de idade, quando, no último dia da sua vida, uma passa­gem das Escrituras foi lida, e ouviu-se sua voz na oração. Nenhum dos filhos se recorda de um só dia que não fosse assim santificado; muitas vezes havia pressa em atender a um negócio; inúmeras vezes chegavam os amigos, mas nada impedia que nos ajoelhássemos em redor do altar familiar, enquanto o 'sumo sacerdote' dirigia as nossas ora­ções a Deus e se oferecia a si mesmo e a seus filhos ao mes­mo Senhor. A luz de tal exemplo era uma bênção, tanto para o próximo, como para a nossa família. Muitos anos depois, contaram-me que a mais depravada mulher da vi­la, uma mulher da rua, mas depois salva e transformada pela graça divina, declarou que a única coisa que evitou o seu suicídio foi que, numa noite escura, perto da janela da casa de meu pai, ouviu-o implorando no culto doméstico, que Deus convertesse 'o ímpio do erro do seu caminho e o fizesse luzir como uma jóia na coroa do Redentor'.' Vi', dis­se ela, 'como eu era um grande peso sobre o coração desse bom homem e sabia que Deus responderia à sua súplica. Foi por causa dessa certeza que não entrei no Inferno e que achei o único Salvador'".

Não é de admirar que, em tal ambiente, três dos onze filhos de Tiago Paton: João, Valter e Tiago, fossem cons­trangidos a dar suas vidas à obra mais gloriosa, a de ga­nhar almas. Não julgamos estar esse ponto completo sem lhe acrescentar mais um trecho dessa autobiografia:

"Até que ponto fui impressionado nesse tempo pelas orações de meu pai, não posso dizer, nem ninguém pode compreender. Quando de joelhos, e todos nós ajoelhados em redor dele no culto doméstico, ele derramava toda a sua alma em oração, com lágrimas, não só por todas as ne­cessidades pessoais e domésticas, mas também pela con­versão da parte do mundo onde não havia pregadores para servirem a Jesus, sentíamo-nos na presença do Salvador vivo e chegamos a conhecê-lo e a amá-lo como nosso Amigo divino. Ao levantarmo-nos da oração, eu costumava olhar para a luz do rosto do meu pai e cobiçava o mesmo espíri­to; anelava, em resposta às suas orações, pela oportunida­de de me preparar e sair, levando o bendito Evangelho a uma parte do mundo então sem missionários".

Acerca da disciplina do lar, eis o que ele escreveu: "Se houvesse algo realmente sério para corrigir, meu pai se re­tirava primeiramente para o quarto de oração e nós com­preendíamos que ele levava o caso a Deus; essa era a parte mais severa do castigo para mim! Eu estava pronto a enca­rar qualquer penalidade, mas o que ele fazia penetrava na minha consciência como uma mensagem de Deus. Amáva­mos ainda mais o nosso pai ao ver quanto tinha de sofrer para nos castigar, e, de fato, tinha muito pouco a castigar-nos, pois - dirigia a todos nós, onze filhos, muito mais pelo amor do que pelo temor".

Por fim chegou o dia em que João tinha de deixar o lar paterno. Sem o dinheiro para a passagem e com tudo que possuía, inclusive uma Bíblia embrulhada num lenço, saiu a pé para trabalhar e estudar em Glasgow. O pai o acom­panhou até uma distância de nove quilômetros. O último quilômetro, antes de se separarem um do outro, os dois ca­minhavam sem poderem falar uma só palavra - o filho sa­bia pelo movimento dos lábios do pai que este orava em seu coração por ele. Ao chegarem ao lugar combinado para se separarem, o pai balbuciou: "Deus te abençoe, meu fi­lho! O Deus de teu pai te prospere e te guarde de todo o mal". Depois de se abraçarem, o filho saiu correndo en­quanto o pai, em pé, no meio da estrada, imóvel, o chapéu na mão e com lágrimas correndo pelas faces, continuava a orar em seu coração.

Alguns anos depois, o filho testificou de que essa cena, gravada na sua alma, o estimulava como um fogo inextin­guível a não desapontar o pai no que esperava dele, seu fi­lho, que seguisse o seu bendito exemplo de andar com Deus.

Durante os três anos de estudos em Glasgow, apesar de trabalhar com as próprias mãos para se sustentar, João Paton, no gozo do Espírito Santo, fez uma grande obra na seara do Senhor. Contudo, soava-lhe constantemente aos ouvidos o clamor dos selvagens nas ilhas do Pacífico e isso foi, antes de tudo, o assunto que ocupava as suas medita­ções e orações diárias. Havia outros para continuar a obra que fazia em Glasgow, mas quem desejava levar o Evange­lho a esses pobres bárbaros?!

Ao declarar sua resolução de trabalhar entre os antro­pófagos das Novas Hébridas, quase todos os membros da sua igreja se opuseram à sua saída. Um muito estimado ir­mão assim se exprimiu: "Entre os antropófagos! será co­mido por eles!" A isso João Paton respondeu: 'O irmão é muito mais velho que eu, breve será sepultado e comido por vermes; declaro ao irmão que, se eu conseguir viver e morrer servindo o Senhor Jesus e honrando o seu nome, não me importarei ser comido por antropófagos ou por ver­mes; no grande dia da ressurreição, o meu corpo se levan­tará tão belo como o seu, na semelhança do Redentor res­suscitado".

De fato, as Novas Hébridas haviam sido batizadas com sangue de mártires. Os dois missionários, Williams e Har­ris, enviados para evangelizar essas ilhas, poucos anos an­tes desse tempo, foram mortos a cacetadas, e seus cadáve­res cozidos e comidos. "Os pobres selvagens não sabiam que assassinavam seus amigos mais fiéis; assim os crentes em todos os lugares, ao receberem as notícias do martírio dos dois, oraram com lágrimas por esses povos."

E Deus ouviu as súplicas, chamando, entre outros, a João Paton. Porém, a oposição à sua saída era tal, que ele resolveu escrever a seus pais; pela resposta veio a saber que eles o haviam dedicado para tal serviço, no dia do seu nas­cimento. Desde esse momento, João Paton não mais duvi­dou da vontade de Deus, e assentou no seu coração gastar a vida servindo aos indígenas das ilhas do Pacífico.

O nosso herói conta muitas coisas de interesse acerca da longa viagem à vela para as Novas Hébridas. Quase no fim da viagem, quebrou-se o mastro do navio. As águas os levavam lentamente para Tana, uma ilha de antropófagos, onde a bagagem teria sido saqueada e todos a bordo cozi­dos para serem comidos. Contudo, Deus ouvira suas súpli­cas e alcançaram uma outra ilha. Alguns meses depois, fo­ram à mesma ilha de Tana, onde conseguiram comprar o terreno dos silvícolas e edificar uma casa. Comove o cora­ção ler que construíram a casa sobre os mesmos alicerces lançados pelo missionário Turner, quinze anos antes, o qual teve de fugir da ilha para escapar de ser morto e comi­do pelos selvagens.

Acerca da sua primeira impressão sobre o povo, Paton escreveu: "Fui levado ao maior desespero. Ao vê-los na sua nudez e miséria, senti tanto horror como compaixão. Eu ti­nha deixado a obra entre os amados irmãos em Glasgow, obra em que sentia muito gozo, para dedicar-me a criatu­ras tão degeneradas. Perguntei-me a mim mesmo: - 'É possível ensiná-las a distinguir entre o bem e o mal, e levá-las a Cristo, ou mesmo a civilizá-las? Mas tudo isso eram apenas sentimentos passageiros. Logo senti um desejo tão profundo de levá-los ao conhecimento e amor de Jesus, como jamais sentira quando trabalhava em Glasgow .

Antes de completar a casa em que o casal Paton iria morar, houve uma batalha entre duas tribos. As mulheres e crianças fugiram para a praia onde conversavam e riam ruidosamente, como se seus pais e irmãos estivessem ocu­pados em algum trabalho pacífico. Mas enquanto os selva­gens gritavam e se empenhavam em conflitos sangrentos, os missionários entregavam-se à oração por eles. Os cadá­veres dos mortos foram levados pelos vencedores a uma fonte de água fervente, onde foram cozidos e comidos. A noite ainda se ouvia pranto e gritos prolongados nas vilas em redor. Os missionários foram informados de que um guerreiro, ferido na batalha, acabara de morrer em casa. A sua viúva foi estrangulada imediatamente, conforme o cos­tume, para que o seu espírito acompanhasse o do marido e lhe continuasse a servir de escrava.

Os missionários, então, nesse ambiente da mais repug­nante superstição, da mais baixa crueldade e da mais fla­grante imoralidade, esforçavam-se para aprender a usar todas as palavras possíveis desse povo que não conhecia a escrita. Anelavam falar de Jesus e do amor de Deus a esses seres que adoravam árvores, pedras, fontes, riachos inse­tos, espíritos dos homens falecidos, relíquias de cabelos e unhas, astros, vulcões, etc.

A esposa de Paton era uma ajudadora esforçada e den­tro de poucas semanas reuniu oito mulheres da ilha e as instruía diariamente. Três meses depois da chegada dos missionários à ilha, a esposa de Paton faleceu de maleita e um mês depois o filhinho também morreu. - Quem pode avaliar as saudades de Paton, durante os anos que traba­lhou sem ajudadora em Tana?! Apesar de quase haver morrido também de maleita, de os crentes insistirem para que voltasse à sua terra, e de os indígenas fazerem plano após plano de matá-lo para o comerem, esse herói perma­neceu orando e trabalhando fielmente no posto onde Deus o colocara.Um templo foi construído e um bom número se congre­gava para ouvir a mensagem divina. Paton não somente conseguiu reduzir a língua dos tanianos à forma escrita, mas também traduziu uma parte das Escrituras, a qual imprimiu, apesar de não conhecer a arte tipográfica. Acer­ca dessa gloriosa façanha de imprimir o livro em Taniano, assim escreveu: "Confesso que gritei de alegria quando a primeira folha saiu do prelo, tendo todas as páginas na or­dem própria; era uma hora da madrugada. Eu era o único homem branco na ilha e havia horas em que todos os nati­vos dormiam. Contudo, atirei ao ar o chapéu e dancei como um menino, por algum tempo, ao redor do prelo".

- "Terei eu perdido a razão? Não devia, como missio­nário, estar de joelhos louvando a Deus, por mais esta pro­va de sua graça? Crede, amigos, o meu culto foi tão sincero como o de Davi, quando dançou diante da Arca do seu Deus! Não deveis pensar que, depois de pronta a primeira página, eu não me tivesse ajoelhado pedindo ao Todo-Poderoso que propagasse a luz e a alegria do seu Santo Li­vro nos corações entenebrecidos dos habitantes daquela terra inculta".

Depois de Paton haver passado três anos em Tana, o casal de missionários que vivia na ilha vizinha, Erromanga, foi martirizado barbaramente a machadadas, em pleno dia. Ao completar quatro anos de estada em Tana, o ódio dos indígenas dessa ilha chegou ao auge. Diversas tribos combinaram matar o "indefeso" missionário e findar, as­sim, com a religião do Deus de amor, em toda a ilha. Con­tudo, como ele mesmo se declarava imortal até findar sua obra na terra, evitava, em pleno campo, os inúmeros gol­pes de lanças, machadinhas e cacetes, armados pelas mãos dos indígenas, e assim conseguiu escapar para a ilha de Aneitium. Planejou então ocupar-se na obra de tradução do resto dos Evangelhos na língua taniana, enquanto espe­rava a oportunidade de voltar a Tana. Contudo, sentiu-se dirigido a aceitar a chamada para ir à Austrália. Em pou­cos meses, animou as igrejas ali a comprarem um navio à vela, para servir aos missionários. Despertou-as, também, a contribuírem liberalmente e a enviarem mais missioná­rios a evangelizar todas as ilhas.

Acerca da sua viagem à Escócia, depois de alguns anos nas Novas Hébridas, ele escreveu: "Fui, de trem, a Dunfries e lá achei condução para o querido lar paterno, onde fui acolhido com muitas lágrimas. Havia somente cinco curtíssimos anos que saíra desse santuário com a minha jo­vem esposa, e agora, ai de mim! - mãe e filhinho jaziam no túmulo, em Tana, nos braços um do outro, até o dia da res­surreição... Não foi com menos gozo, apesar de sentir-me angustiado, que, poucos dias depois, me encontrei com os pais da minha querida falecida esposa."

Antes de deixar a Escócia, para nova viagem, Paton ca­sou-se com a irmã de outro missionário. Chamada por Deus a trabalhar entre os povos mergulhados nas trevas das Novas Hébridas, ela serviu como fiel companheira de seu marido, por muitos anos.

"Meu último ato na Escócia foi ajoelhar-me no lar pa­terno, durante o culto doméstico, enquanto meu veneran­do pai, como sacerdote, de cabelos brancos, nos encomen­dava, uma vez mais, 'aos cuidados e proteção de Deus, Se­nhor das famílias de Israel.' Eu tinha por certo, quando nos levantamos da oração e nos despedimos uns dos ou­tros, que não nos encontraríamos com eles antes do dia da ressurreição. Porém ele e minha querida mãe, com cora­ções alegres, nos ofertaram de novo ao Senhor, para o seu serviço entre os silvícolas. Mais tarde, meu querido irmão me escreveu que a 'espada' que traspassara a alma da mi­nha mãe, era demasiado aguda e que, depois da nossa saí­da, ela jazeu por muito tempo como morta, nos braços de meu pai."

De volta às ilhas, Paton foi constrangido pelo voto de todos os missionários a não voltar a Tana, mas abrir a obra na vizinha ilha de Aniwa. Dessa forma, tinha de aprender outra língua e começar tudo de novo. Na obra de preparar o terreno para a construção da casa, Paton ajuntou dois cestos de ossos humanos de vítimas comidas pelo povo da ilha!

"Quando essas pobres criaturas começavam a usar um pedacinho de chita, ou um saiote, era sinal exterior de uma transformação, apesar de estarem longe da civilização. E quando começavam a olhar para cima, e a orar Àquele a quem chamavam de 'Pai, nosso Pai', meu coração se derre­tia em lágrimas de gozo; e sei por certo que havia um cora­ção divino nos céus que se regozijava também."

Contudo, como em Tana, Paton considerava-se imortal até completar a obra que lhe fora designada por Deus. Inú­meras vezes evitou a morte agarrando a arma levantada contra ele pelos selvagens para o matarem.

Por fim, a força das trevas unidas contra o Evangelho em Aniwa cedeu. Isso data do tempo em que cavou um poço na ilha. Para os indígenas, a água de coco, para satis­fazer a sede, era suficiente, porque se banhavam no mar e usavam pouco a água para cozinhar - e nenhuma para la­var a roupa! Mas para os missionários, a falta de água doce era o maior sacrifício e Paton resolveu cavar um poço.

No início, os indígenas auxiliaram-no na obra, apesar de considerarem o plano, "do Deus de Missi dar chuva de baixo", concepção de uma mente avariada. Mas depois, amedrontados pela profundeza da cavidade, deixaram o missionário a cavar sozinho, dia após dia, enquanto o con­templavam de longe, dizendo uns aos outros: - "Quem ja­mais ouviu falar em chuva que vem debaixo?! Pobre Mis­si! Coitado!" Quando o missionário insistia em dizer que o abastecimento de água em muitos países vinha de poços, eles respondiam: - "É assim que se dá com os doidos; nin­guém pode desviá-los de suas idéias loucas."

Depois de longos dias de labor enfadonho, Paton alcan­çou terra úmida. Confiava em Deus obter água doce, em resposta às suas orações; contudo, nessa altura, ao meditar sobre o efeito que causaria entre o povo, sentia-se quase to­mado do horror ao pensar que podia encontrar água salga­da. "Sentia-me", escreveu ele, "tão comovido que fiquei molhado de suor e tremia-me todo o corpo, quando a água começou a borbulhar debaixo e a encher o poço. Tomei um pouco de água na mão, levei-a à boca para prová-la. Era água! Era água potável! era água viva do poço de Jeová!"

Os chefes indígenas com seus homens a tudo assistiam. Era uma repetição, em ponto pequeno, dos israelitas ro­deando Moisés, quando ele fez água sair da rocha. O mis­sionário, depois de passar algum tempo louvando a Deus, ficou mais calmo, desceu novamente, encheu um jarro da"chuva que Deus Jeová lhe dava pelo poço", e entregou-o ao chefe. Este sacudiu o jarro para ver se realmente havia água dentro; então tomou um pouco na mão e, não satisfei­to com isso, levou à boca um pouco mais. Depois de revol­ver os olhos de alegria, bebeu-a e rompeu em gritos: "Chu­va! Chuva! É chuva mesmo! - Mas como a arranjou?" Paton respondeu: - "Foi Jeová, meu Deus, quem a deu da sua terra em resposta ao nosso labor e orações. Olhai e vede por vós mesmos como borbulha a terra!"

Não havia um homem entre eles que tivesse coragem de chegar-se perto da boca do poço; então formaram uma fila comprida e, segurando-se uns aos outros pelas mãos, avançaram até que o homem da frente pudesse olhar para dentro do poço; a seguir o que tinha olhado passava para a retaguarda, deixando o segundo olhar para a "chuva de Jeová, mui embaixo".

Depois de todos olharem, um por um, o chefe dirigiu-se a Paton e disse: "Missi, a obra de seu Deus Jeová é admi­rável, é maravilhosa! Nenhum dos deuses de Aniwa jamais nos abençoou tão maravilhosamente. - Mas, Missi, Ele continuará para sempre a dar chuva por essa forma?, ou acontecerá como a chuva das nuvens?" O missionário ex­plicou, para gozo indizível de todos, que essa bênção era permanente e para todos os aniwanianos.

Os nativos experimentaram, durante os anos que se se­guiram, em seis ou sete dos lugares mais prováveis, perto de várias vilas, cavar poços. Todas as vezes que o fizeram ou encontraram pederneira ou o poço dava água salgada. Diziam entre si: - "Sabemos cavar, mas não sabemos orar como Missi e, portanto, Jeová não nos dá chuva debaixo!"

Num domingo, depois que Paton alcançou água do po­ço, o chefe Namakei convocou o povo da ilha. Fazendo seus gestos com a machadinha na mão, dirigiu-se aos ouvintes da seguinte maneira: - "Amigos de Nakamei, todos os po­deres do mundo não podiam obrigar-nos a crer que fosse possível receber chuva das entranhas da terra, se não a ti­véssemos visto com os próprios olhos e provado com a bo­ca... Desde já, meu povo, devo adorar o Deus que nos abriu o poço e nos dá chuva debaixo. Os deuses de Aniwa não po­dem socorrer-nos como o Deus de Missi. Para todo o sempre sou um seguidor de Deus Jeová. Todos vós que quiserdes fazer o mesmo, tomai os ídolos de Aniwa, os deuses que nossos pais temiam e lançai-os aos pés de Missi... Vamos a Missi para ele nos ensinar como devemos servir a Jeová... que enviou seu Filho Jesus para morrer por nós e nos levar aos céus."

Durante os dias que se seguiram, grupo após grupo, al­guns dos silvícolas com lágrimas e soluços, outros aos gri­tos de louvor a Jeová, levaram seus ídolos de pau e pedra, os quais lançaram em montes perante o missionário. Os ídolos de pau foram queimados, os de pedra enterrados em covas de quatro a cinco metros de profundidade e alguns, de maior superstição, foram lançados no fundo do mar, longe da terra.

Um dos primeiros passos da vida cotidiana da ilha, de­pois de destruírem os ídolos, foi a invocação da bênção do Senhor às refeições. O segundo passo, uma surpresa maior e que também encheu o missionário de gozo, foi um acordo entre eles de fazer culto doméstico de manhã e à noite. Sem dúvida esses cultos eram misturados, por algum tem­po, com muitas das superstições do paganismo

Mas Paton traduziu as Escrituras, e as imprimiu na língua aniwaniana e ensinou o povo a lê-las. A transforma­ção do povo da ilha foi uma das maravilhas dos tempos modernos. Como arde o coração ao ler acerca da ternura que o missionário sentia para com esses amados filhos na fé, e do carinho com que esses, outrora cruéis selvagens que comiam uns aos outros, mostravam para com o missioná­rio!

Que o nosso coração arda também para ver a mesma transformação dos milhares de silvícolas no interior de nosso querido Brasil!

Paton descreveu a primeira Ceia do Senhor com as se­guintes palavras: "Ao colocar o pão e o vinho nas mãos, ou­trora manchadas do sangue de antropofagia, agora esten­didas para receber e participar dos emblemas do amor do Redentor, antecipei o gozo da glória até o ponto de o cora­ção não suportar mais. É-me impossível experimentar delícia maior antes de eu poder fitar o rosto glorificado do próprio Senhor Jesus Cristo!"Deus, não somente concedeu ao nosso herói o indizível gozo de ver os aniwanianos irem evangelizar as ilhas vizi­nhas, mas também de ver seu próprio filho, Frank Paton, e esposa, morando na ilha de Tana e continuando a obra que ele começara com o maior sacrifício.

Foi com a idade de 83 anos, que João G. Paton ouviu a voz de seu precioso Jesus, chamando-o para o lar eterno. Quão grande o seu gozo, não somente ao reunir-se aos seus queridos filhos das ilhas do Sul do Pacífico, que entraram no Céu antes dele, mas, também, saudar bem-vindos os outros ao chegarem ali, um por um!

(extraido do livro hérois da fé)

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