segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Adoniram Judson Missionário, pioneiro à Birmânia (1788-1850)


Adoniram Judson

Missionário, pioneiro à Birmânia

(1788-1850)
O missionário, magro e enfraquecido pelos sofrimentos e privações, foi conduzido entre os mais endurecidos crimi­nosos, com gado, a chicotadas e sobre a areia ardente, para a prisão. Sua esposa conseguiu entregar-lhe um travesseiro para que pudesse dormir melhor no duro solo da prisão. Porém ele descansava ainda melhor porque sabia que den­tro do travesseiro, que tinha abaixo da cabeça, estava es­condida a preciosa porção da Bíblia que traduzira com grandes esforços para a língua do povo que o perseguia.

Aconteceu que o carcereiro requisitou o travesseiro para o seu próprio uso! Que podia fazer o pobre missioná­rio para readquirir seu tesouro? A esposa então preparou, com grandes sacrifícios, um travesseiro melhor e conseguiu trocá-lo com o do carcereiro. Dessa forma a tradução da Bíblia foi conservada na prisão por quase dois anos; a Bíblia inteira, depois de completada por ele, foi dada, pela primeira vez, aos milhões de habitantes da Birmânia.Em toda a história, desde o tempo dos apóstolos, são poucos os nomes que nos inspiram tanto a esforçarmo-nos pela obra missionária como os nomes desse casal, Ana e Adoniram Judson. Em certa igreja em Malden, subúrbio de Boston, encontra-se uma placa de mármore com a se­guinte inscrição:

Memorial
Rev. Adoniram Judson
Nasceu: 9 - agosto - 1788
Morreu: 12 - abril - 1850
Lugar de seu nascimento: Malden
Lugar de seu sepultamento: o mar
Seu monumento: OS SALVOS DA BIRMÂNIA E A BÍBLIA BIRMANESA
Seu histórico: nas alturas

Adoniram fora uma criança precoce; sua mãe ensinou-o a ler um capítulo inteiro da Bíblia, antes de ele completar quatro anos de idade.

Seu pai inculcou-lhe o desejo ardente de, em tudo quanto fazia, aproximar-se sempre da perfeição, sobrepon­do-se a qualquer de seus companheiros. Esta foi a norma de toda a sua vida.

O tempo que passou nos estudos foram os anos em que o ateísmo, que teve sua origem na França, se infiltrou no país. O gozo de seus pais, ao saberem que o filho ganhara o primeiro lugar na sua classe, transformou-se em tristeza, quando ele os informou de que não mais acreditava na existência de Deus. O recém-diplomado sabia enfrentar os argumentos de seu pai, que era pastor instruído, e jamais sofrera de tais dúvidas. Contudo as lágrimas e admoestações de sua mãe, depois de o moço sair da casa paterna, es­tavam sempre perante ele.

Não muito depois de "ganhar o mundo", na casa dum tio, encontrou-se com um jovem pregador. Este conversou com ele tão seriamente acerca da sua alma, que Judson fi­cou muito impressionado. Passou o dia seguinte sozinho, em viagem a cavalo. Ao anoitecer, chegou a uma vila onde passou a noite numa pensão. No quarto contíguo ao que ele ocupou, estava um moço moribundo, e Judson não conse­guiu reconciliar o sono durante a noite. - O moribundo seria crente? Estaria preparado para morrer? Talvez fosse "livre pensador", filho de pais piedosos que oravam por ele! O que também o perturbava era a lembrança dos seus companheiros, os alunos agnósticos do colégio de Providence. Como se envergonharia, se os antigos colegas, espe­cialmente o sagaz compadre Ernesto, soubessem o que agora sentia em seu coração!

Ao amanhecer o dia, disseram-lhe que o moço morrera. Em resposta à sua pergunta, foi informado de que o faleci­do era um dos melhores alunos do colégio de Providence, cujo nome era Ernesto!

Judson, ao saber da morte de seu companheiro ateu, fi­cou estupefato. Sem saber como, estava em viagem de vol­ta a casa. Desde então desapareceram todas as suas dúvi­das acerca de Deus e da Bíblia. Soavam-lhe constante­mente aos ouvidos as palavras: "Morto! Perdido! Perdi­do!"

Não muito depois deste acontecimento, dedicou-se so­lenemente a Deus e começou a pregar. Que a sua consagra­ção era profunda e completa ficou provado pela maneira como se aplicou à obra de Deus.

Nesse tempo, Judson escreveu à noiva: "Em tudo que faço, pergunto a mim mesmo: Isto agradará ao Senhor?... Hoje alcancei maior grau do gozo de Deus, tenho sentido grande alegria perante o seu trono".

É assim que Judson nos conta a sua chamada para o serviço missionário: "Foi quando andava num lugar solitá­rio, na floresta, meditando e orando sobre o assunto e qua­se resolvido a abandonar a idéia, que me foi dada a ordem: 'Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatu­ra'. Este assunto foi-me apresentado tão claramente e com tanta força, que resolvi obedecer, apesar dos obstáculos que se apresentaram diante de mim".

Judson, com quatro dos seus colegas, reuniram-se junto a um montão de feno, para orarem e ali solenemente dedi­carem, perante Deus, suas vidas para levar o Evangelho "aos confins da terra". Não havia qualquer junta de mis­sões para os enviar. Contudo, Deus honrou a dedicação dos moços, tocando nos corações dos crentes, para suprirem o dinheiro.Judson foi chamado, então, a ocupar um lugar no corpo docente na universidade de Brown, mas recusou o convite. Depois foi chamado a pastorear uma das maiores igrejas da América do Norte. Este convite, também, foi rejeitado. Foi grande o desapontamento de seu paí e o choro de sua mãe e irmã ao saberem que Judson se oferecera para a obra de Deus no estrangeiro, onde nunca fora proclamado o Evangelho.

A esposa de Judson mostrou ainda mais heroísmo por­que era a primeira mulher que sairia dos Estados Unidos, como missionária. Com a idade de dezesseis anos, teve a sua primeira experiência religiosa. Vivia tão entregue à vaidade que seus conhecidos receavam o castigo repentino de Deus sobre ela. Então, em certo domingo, enquanto se preparava para o culto, ficou profundamente comovida pe­las palavras: "Aquela que vive nos prazeres, apesar de vi­ver, está morta". Acerca da sua vida transformada, escre­veu-lhe ela mais tarde: "Eu desfrutava dia após dia, a doce comunhão com o bendito Deus; no coração sentia o amor que me ligava aos crentes de todas as denominações; achei as sagradas Escrituras doces ao paladar, senti tão grande sede de conhecer as coisas religiosas que, freqüentemente, passava quase noites inteiras lendo". Todo o ardor que mostrara na vida mundana agora o sentia na obra de Cris­to. Por alguns anos, antes de aceitar a chamada missioná­ria, era professora e se esforçava em ganhar os alunos para Cristo.

Adoniram, depois de despedir-se de seus pais para ini­ciar sua viagem à Índia, foi acompanhado até Boston por seu irmão, Elnatã, moço ainda não-salvo. No caminho, os dois apearam dos seus cavalos, entraram na floresta e lá, de joelhos, Adoniram rogou a Deus que salvasse seu irmão. Quatro dias depois, os dois se separaram para não se verem mais neste mundo. Alguns anos depois, porém, Adoniram teve notícias de que seu irmão recebera também a herança no reino de Deus.

Judson e sua esposa embarcaram para a Índia em 1812, passando quatro meses a bordo do navio. Aproveitando essa oportunidade para estudar, os dois chegaram a com­preender que o batismo bíblico é por imersão, e não por aspersão, como a sua denominação o praticava. Não conside­rando a oposição de seus muitos conhecidos, nem o seu sustento, não vacilaram em informar isso àqueles que os ti­nham enviado. Foram batizados por imersão no porto de desembarque, Calcutá.

Expulsos logo dessa cidade, por causa da situação polí­tica, fugiram de país em país. Por fim, dezessete longos meses depois de partirem da América, chegaram a Ran­gum, na Birmânia. Judson estava quase exausto por causa­dos horrores que sofrera a bordo; sua esposa, estava tão perto da morte que não mais podia caminhar, sendo leva­da para terra em uma padiola.

O império da Birmânia de então era mais bárbaro, e de língua e costumes mais estranhos do que qualquer outro país que os Judson tinham visto. Ao desembarcarem os dois, em resposta às orações feitas durante as longas vigí­lias da noite, foram sustentados por uma fé invencível e pelo amor divino que os levava a sacrificar tudo, para que a gloriosa luz do Evangelho raiasse também nas almas dos habitantes desse país.

Agora, um século depois, podemos ver como o Mestre dirigia seus servos, fechando as portas, durante a prolon­gada viagem, para que não fossem aos lugares que espera­vam e desejavam ir. Hoje pode-se ver claramente que Ran­gum, o porto principal da Birmânia, era justamente o pon­to mais estratégico para iniciar a ofensiva da Igreja de Cristo contra o paganismo no continente asiático.

No difícil estudo do idioma birmanês foi necessário fa­zer o seu próprio dicionário e gramática. Passaram-se cin­co anos e meio antes de fazerem o primeiro culto para o po­vo. No mesmo ano batizaram o primeiro convertido apesar de cientes da ordem do rei de que ninguém podia mudar de crença sem ser condenado à morte.

Ao sair da sua terra para ser missionário, Judson levava uma soma considerável de dinheiro. Essa quantia ele a ga­nhara de seu emprego e parte recebeu-a de ofertas de pa­rentes e amigos. Não só colocou tudo isto aos pés daqueles que dirigiam a obra missionária mas, também, a elevada quantia de cinco mil e duzentos rúpias que o Governador Geral da Índia lhe pagara por seus serviços prestados por ocasião do armistício de Yandabo.

Recusou o emprego de intérprete do governo, com salá­rio elevado, escolhendo antes sofrer as maiores privações e o opróbrio, para ganhar as almas dos pobres birmaneses para Cristo.

Durante onze meses, esteve preso em Ava. (Ava era na­quele tempo a capital da Birmânia.) Passou alguns dias, com mais sessenta outros sentenciados à morte, encerrado em um edifício sem janelas, escuro e quente, abafado e imundo em extremo. Passava o dia com os pés e mãos no tronco. Para passar a noite, o carcereiro enfiava-lhe um bambu entre os pés acorrentados, juntando-o com outros prisioneiros e, por meio de cordas, arribava-os para apenas os ombros descansarem no chão. Além desse sofrimento, tinha de ouvir constantemente gemidos misturados com o falar torpe dos mais endurecidos criminosos da Birmânia. Vendo os outros prisioneiros arrastados para fora para morrer às mãos do carrasco, Judson podia dizer: "Cada dia morro". As cinco cadeias de ferro pesavam tanto, que le­vou as marcas das algemas no corpo até a morte. Certa­mente ele não teria resistido, se a sua fiel esposa não tives­se conseguido permissão do carcereiro para, no escuro da noite, levar-lhe comida e consolá-lo com palavras de espe­rança.

Um dia porém, ela não apareceu; essa ausência durou vinte longos dias. Ao reaparecer, trazia nos braços uma criancinha recém-nascida.

Judson, uma vez liberto da prisão, apressou-se o mais possível a chegar a casa, mas tinha as pernas estropiadas pelo longo tempo que passara no cárcere. Fazia muitos dias que não recebia notícias de sua querida Ana! - Ela ainda vivia? Por fim, encontrou-a, ainda viva, mas com febre, e próximo de morte.

Dessa vez ela ainda se levantou, mas antes de comple­tar 14 anos na Birmânia, faleceu. Comove a alma ao ler a dedicação de Ana Judson ao marido, e a parte que desem­penhou na obra de Deus, e em casa até o dia da sua morte.

Alguns meses depois da morte da esposa de Judson, a sua filha também morreu. Durante os seis longos anos que se seguiram, ele trabalhou sozinho, casando-se, então, com a viúva de outro missionário. A nova esposa, gozando os frutos dos esforços incessantes na Birmânia, mostrou-se tão dedicada ao marido como a primeira.

Judson perseverou durante vinte anos para completar a maior contribuição que se podia fazer à Birmânia, a tradu­ção da Bíblia inteira na própria língua do povo.

Depois de trabalhar constantemente no campo estran­geiro durante trinta e dois anos, para salvar a vida da espo­sa, embarcou com ela e três dos filhos, de volta à América, sua terra natal. Porém, em vez de ela melhorar da doença que sofria, como se esperava, morreu durante a viagem, sendo enterrada em Santa Helena, onde o navio aportou.

- Quem poderá descrever o que Judson sentiu ao de­sembarcar nos Estados Unidos, quarenta e cinco dias de­pois da morte da sua querida esposa?! Ele, que estivera au­sente durante tantos anos da sua terra, sentia-se agora per­turbado acerca da hospedagem nas cidades de seu país. Surpreendeu-se, depois de desembarcar, ao verificar que todas as casas se abriam para recebê-lo. Seu nome tornara-se conhecido de todos. Grandes multidões afluíam para ouvi-lo pregar. Porém, depois de passar trinta e dois anos ausente na Birmânia, naturalmente, sentia-se como se es­tivesse entre estrangeiros, e não queria levantar-se diante do público para falar na língua materna. Também sofria dos pulmões e era necessário que outrem repetisse para o povo o que ele apenas podia dizer balbuciando.

Conta-se que, certo dia, num trem, entrou um vende­dor de jornais. Judson aceitou um e, distraído, começou a lê-lo; o passageiro ao lado chamou-o a atenção, dizendo que o rapaz ainda esperava o níquel pelo jornal. Olhando para o vendedor, pediu desculpas, pois pensara que ofere­cessem o jornal de graça, visto que ele estava acostumado a distribuir muita literatura na Birmânia sem cobrar um centavo, durante muitos anos.

Passara apenas oito meses entre seus patrícios, quando se casou de novo e embarcou pela segunda vez para a Bir­mânia. Continuou a sua obra naquele país, sem cansar, até alcançar a idade de sessenta e um anos. Judson foi, então, chamado a estar com o seu Mestre enquanto viajava longe da família. Conforme o seu desejo, foi sepultado em alto mar.

Adoniram Judson costumava passar muito tempo orando de madrugada e de noite. Diz-se que gozava da mais íntima comunhão com Deus enquanto caminhava apressadamente. Os filhos, ao ouvirem seus passos firmes e resolutos dentro do quarto, sabiam que seu pai estava le­vando suas orações ao trono da graça. Seu conselho era: "Planeja os teus negócios se for possível, para passares duas a três horas, todos os dias, não só em adoração a Deus, mas orando em secreto".

Sua esposa conta que, durante a sua última doença, antes de falecer, ela leu para ele a notícia de certo jornal, acerca da conversão de alguns judeus na Palestina, justa­mente onde Judson queria trabalhar antes de ir à Birmâ­nia. Esses judeus, depois de lerem a história dos sofrimen­tos de Judson na prisão de Ava, foram inspirados a pedir, também, um missionário e assim iniciou-se uma grande obra entre eles.

Ao ouvir isto, os olhos de Judson se encheram de lágri­mas, tendo o semblante solene e a glória dos céus estampa­da no rosto, tomou a mão de sua esposa dizendo: "Queri­da, isto me espanta. Não compreendo. Refiro-me à notícia que leste. Nunca orei sinceramente por uma coisa sem a receber; recebi-a apesar de demorada, de alguma maneira, e talvez numa forma que não esperava, mas a recebi. Con­tudo, sobre este assunto eu tinha tão pouca fé! Que Deus me perdoe e, enquanto na sua graça quiser me usar como seu instrumento, limpe toda a incredulidade de meu cora­ção".

Nesta história, nota-se outro fato glorioso: Deus não só concede frutos pelos esforços dos seus servos, mas, tam­bém, pelos seus sofrimentos. Por muitos anos, até pouco antes da sua morte, Judson considerava os longos meses de horrores da prisão em Ava, como inteiramente perdidos à obra missionária.

No começo do trabalho na Birmânia, Judson concebeu a idéia de evangelizar, por fim, todo o país. A sua maior es­perança era ver durante a sua vida, uma igreja de cem birmaneses salvos e a Bíblia impressa na língua desse país.No ano da sua morte, porém, havia sessenta e três igrejas e mais de sete mil batizados, sendo os trabalhos dirigidos por cento e sessenta e três missionários, pastores e auxilia­res. As horas que passou diariamente suplicando ao Deus que dá mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, não foram perdidas.

Durante os últimos dias da sua vida fazia menção, mui­tas vezes, do amor de Cristo. Com os olhos iluminados e as lágrimas correndo-lhe pelas faces, exclamava: "Oh! o amor de Cristo! O maravilhoso amor de Cristo, a bendita obra do amor de Cristo!" Certa ocasião ele disse: "Tive tais visões do amor condescendente de Cristo e da glória do Céu, que, creio, quase nunca são concedidas aos homens. Oh! o amor de Cristo! É o mistério da inspiração da vida e a fonte da felicidade nos céus. Oh! o amor de Jesus! Não o podemos compreender agora, mas quão grande será em toda a eternidade!

Acrescentamos o último parágrafo da biografia de Ado­niram Judson escrita por um dos seus filhos. Quem pode lê-lo sem sentir o Espírito Santo o animar a tomar parte ativa e definida em levar o Evangelho a um dos muitos lu­gares sem o Evangelho?

Até aquele dia, quando todo o joelho se dobrará perante o Senhor Jesus, os corações crentes serão movidos aos maiores esforços, pela lembrança de Ana Judson, enterra­da debaixo do hopiá (uma árvore) na Birmânia; de Sara Judson, cujo corpo descansa na ilha pedregosa de Santa Helena e de Adoniram Judson, sepultado nas águas do oceano Índico.

(extraido do livro hérois da fé)

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Henrique Martyn Luz inteiramente gasta por Deus (1781-1812)


Henrique Martyn

Luz inteiramente gasta por Deus

(1781-1812)

Ajoelhado na praia da Índia, Henrique Martyn derra­mava a alma perante o Mestre e orava: "Amado Senhor, eu também andava no país longínquo; minha vida ardia no pecado... desejaste que eu me tornasse, não mais um tição para espalhar a destruição, mas uma tocha brilhando por ti (Zacarias 3.2). Eis-me aqui nas trevas mais densas, sel­vagens e opressivas do paganismo. Agora, Senhor, quero arder até me consumir inteiramente por ti!"

O intenso ardor daquele dia sempre motivou a vida desse moço. Diz-se que o seu é "o nome mais heróico, que adorna a história da Igreja da Inglaterra, desde os tempos da rainha Elisabete." Contudo, até entre seus patrícios, ele não é bem conhecido.

Seu pai era de físico franzino. Depois de o seu progenitor falecer, os quatro filhos, inclusive Henrique, não tarda­ram a contrair a mesma enfermidade, a tuberculose.

Com a morte do pai, Henrique perdeu seu intenso inte­resse pela matemática e se interessou grandemente na leitura da Bíblia. Diplomou-se com mais honras do que todos da sua classe. O Espírito Santo, porém, falou à sua alma: "Buscas grandes coisas para ti. Não as busques!" Acerca dos seus estudos testificou: "Alcancei o ponto mais alto que desejara, mas fiquei desapontado ao ver como, apenas, tinha agarrado uma sombra."

Tinha por costume levantar-se cedo, de madrugada, e andar sozinho, pelos campos para desfrutar de comunhão íntima com Deus. O resultado foi que abandonou para sempre o plano de ser advogado, um plano que, até aí, ain­da seguia, porque "não podia consentir em ser pobre pelo amor de Cristo."

Ao ouvir um sermão sobre "O Estado Perdido dos Pa­gãos" resolveu dar a sua vida como missionário. Ao conhe­cer a vida abnegada do missionário Guilherme Carey, na sua grande obra na Índia, sentiu-se dirigido a trabalhar no mesmo país.

O desejo de levar a mensagem de salvação aos povos que não conheciam a Cristo, tornou-se como um fogo inextinguível na sua alma pela leitura da biografia de David Brainerd, o qual morrera quando ainda muito jovem, com a idade de vinte e nove anos (sua vida fora gasta inteira­mente no serviço de amor intenso aos silvícolas da América do Norte). Henrique Martyn reconhecia que, como foram poucos os anos da obra de David Brainerd, havia também para ele pouco tempo, e se acendeu nele a mesma paixão de gastar-se, inteiramente por Cristo, no breve espaço de tempo que lhe restava. Seus sermões não consistiam em palavras de sabedoria humana, mas sempre se dirigia ao povo como "um moribundo, pregando aos moribundos".

Havia um grande embaraço para Henrique Martyn: a mãe da sua noiva, Lídia Grenfel, não consentiria que eles se casassem, se ele insistisse em levá-la para o estrangeiro. Henrique amava a Lídia e o seu maior desejo terrestre era estabelecer um lar e trabalhar junto com ela na seara do Senhor. Acerca disto, ele escreveu no seu diário: "Conti­nuei uma hora e mais em oração, lutando contra o que me ligava... Cada vez que estava perto de ganhar a vitória, o coração voltava para o seu ídolo, e finalmente, deitei-me sentindo grande mágoa."Então se lembrou de David Brainerd, o qual negava a si mesmo todos os confortos da civilização, andava grandes distâncias sozinho na floresta, passava dias com fome e de­pois de assim se esforçar por cinco anos, voltou para falecer tuberculoso nos braços da sua noiva, Jerusa, filha de Jôna­tas Edwards.

Por fim, Henrique Martyn, também, ganhou a vitória, obedecendo à chamada para sacrificar-se à salvação dos perdidos. Ao embarcar para a Índia, em 1805, escreveu: "Se eu viver ou morrer, que Cristo seja magnificado pela colheita de multidões para Ele".

A bordo do navio, ao afastar-se da sua pátria, Henrique Martyn chorou como uma criança. Contudo nada podia desviá-lo da sua firme resolução de seguir a direção divina. Ele era "um tição arrebatado do fogo" e repentinamente dizia: "Que eu seja uma chama de fogo no serviço divino".

Depois de nove longos meses a bordo, e quando já se achava perto do seu destino, passou um dia inteiro em je­jum e oração. Sentia quão grande era o sacrifício da Cruz e como era, igualmente, grande a sua responsabilidade para com os perdidos na idolatria da Índia. Continuava a repe­tir: "Tenho posto vigias sobre os teus muros, ó Jerusalém; eles não se calarão jamais em todo o dia nem em toda a noite: não descanseis vós os que fazeis lembrar a Jeová, e não lhe deis a Ele descanso, até que estabeleça, e até que ponha a Jerusalém por objeto de louvor na terra!" (Isaías 62.6).

A chegada de Henrique Martyn à Índia, no mês de abril de 1806, foi também em resposta à oração de outros. A ne­cessidade era tão grande nesse país, que os poucos obreiros concordaram em se reunirem em Calcutá, de oito em oito dias, para pedirem a Deus que enviasse um homem cheio do Espírito Santo e poder à Índia. Martyn, logo ao desem­barcar, foi recebido alegremente por eles como a resposta às suas orações.

É difícil imaginar o horror das trevas em que vivia esse povo, entre o qual Martyn se achava. Um dia, perto do lu­gar onde se hospedara, ouviu uma música e viu a fumaça de uma das piras fúnebres de que ouvira falar antes de sair da Inglaterra. As chamas já começavam a subir do lugar onde uma viúva se achava sentada ao lado do cadáver de seu marido morto. Martyn, indignado, esforçou-se, mas não pôde conseguir salvar a pobre vítima.

Em outra ocasião, foi atraído pelo ruído do címbalo, a um lugar onde o povo fazia culto aos demônios. Os adora­dores se prostravam perante o ídolo, obra das suas próprias mãos, do qual adoravam e temiam! Martyn sentia-se "mesmo na vizinhança do Inferno".

Cercado de tais cenas, ele se aplicava mais e mais e sem cansar, dia após dia, a aprender a língua. Não desanimava com a falta de fruto da sua pregação, reconhecendo ser de maior importância traduzir as Escrituras e colocá-las nas mãos do povo. Com esse alvo, perseverava no trabalho de tradução, cuidadosamente, aperfeiçoando a obra, pouco a pouco, e parando de vez em quando para pedir o auxílio de Deus.

Como a sua alma ardia no firme propósito de dar a Bíblia ao povo, vê-se no seguinte trecho de um dos seus sermões conservado no Museu Britânico:

"Pensai na situação triste do moribundo, que apenas conhece bastante da eternidade para temer a morte, mas não conhece bastante do Salvador para olhar o futuro com esperança. Não pode pedir uma Bíblia para saber algo sobre o que se firmar nem pode pedir a esposa ou ao filho que lhe leiam um capítulo para o confortar. A Bíblia, ah! é um tesouro que eles nunca possuíram! Vós que tendes um coração para sentir a miséria do próximo, vós que sabeis como a agonia de espírito é mais que qualquer sofrimento do corpo, vós que sabeis que vem o dia em que tendes de morrer, oh! dai-lhes aquilo que lhes será um conforto na hora da morte!"

Para alcançar esse alvo, de dar as Escrituras aos povos da Índia e da Pérsia, Martyn aplicou-se à obra de tradução de dia e de noite, até mesmo quando descansava e quando em viagem. Não diminuía a sua marcha quando o termô­metro registrava o intenso calor de 70" nem quando sofria da febre intermitente, nem com o avanço da peste branca que ardia no seu peito.

Como David Brainerd, cuja biografia sempre serviu para inspirá-lo, Henrique Martyn passou dias inteiros em intercessão e comunhão com o seu "Amado", seu querido Jesus. - "Parece", escreveu ele, "que posso orar para sem­pre sem nunca cansar. Quão doce é andar com Jesus e morrer por Ele..." Para ele, a oração não era uma formali­dade, mas o meio certo de quebrantar os endurecidos e vencer os adversários.

Seis anos e meio depois de ter desembarcado na Índia, enquanto empreendia longa viagem, faleceu com a idade de 31 anos. Separado dos irmãos, do resto da família, com a noiva esperando-o na Inglaterra, e cercado de persegui­dores, foi enterrado em lugar desconhecido.

Era grande o ânimo, a perseverança, o amor, a dedica­ção com que trabalhava na seara do seu Senhor! O zelo ar­deu até ele se consumir neste curto espaço de seis anos e meio. É-nos impossível apreciar quão grande foi a sua obra feita em tão poucos anos. Além de pregar, conseguiu tra­duzir porções das Sagradas Escrituras para as línguas de uma quarta parte de todos os habitantes do mundo. O Novo Testamento em hindu, hindustão e persa e os Evan­gelhos em judaico-persa são apenas uma parte das suas obras.

Quatro anos depois da sua morte, nasceu Fidélia Fiske, no sossego da Nova Inglaterra. Quando ainda aluna na es­cola, leu a biografia de Henrique Martyn. Andou quarenta e cinco quilômetros de noite, sob violenta tempestade de neve, para pedir à sua mãe que a deixasse ir pregar o Evan­gelho às mulheres da Pérsia. Ao chegar à Pérsia reuniu muitas mulheres e lhes contou o amor de Jesus, até que o avivamento em Oroomiah se tornou em outro Pentecoste.

Se Henrique Martyn, que entregou tudo para o serviço do Rei dos reis, pudesse visitar a Índia, e a Pérsia, hoje, quão grande seria a obra que encontraria, obra feita por tão grande número de fiéis filhos de Deus nos quais ardeu o mesmo fogo pela leitura da biografia desse pioneiro.

(extraido do livro hérois da fé)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Biografia de Christmas Evans O «João Bunyan de Gales» (1766-1838)


A Biografia de Christmas Evans
O «João Bunyan de Gales» (1766-1838)

Fonte: Heróis da Fé

Seus pais deram-lhe o nome de Christmas porque nasceu no dia de "Christmas" (Natal), em 1766. O povo deu-lhe a alcunha de "Pregador Caolho" porque era cego de um olho. Alguém assim se referiu a Christmas Evans: "Era o mais alto dos homens, de maior força física e o mais corpulento que jamais vi. Tinha um olho só; se há razão para dizer que era olho, pois mais propriamente pode-se dizer que era uma estrela luzente, brilhando como Vênus". Foi chamado, também, "O João Bunyan de Gales", porque era o pregador que, na história desse país, desfrutava mais do poder do Espírito Santo. Em todo o lugar onde pregava, havia grande número de conversões. Seu dom de pregar era tão extraordinário, que, com toda a facilidade, podia levar um auditório de 15 a 20 mil pessoas, de temperamento e sentimentos vários, a ouvi-lo com a mais profunda atenção. Nas igrejas, não cabiam as multidões que iam ouvi-lo durante o dia; à noite, sempre pregava ao ar livre, sob o brilhar das estrelas. Durante a sua mocidade, viveu entregue à devassidão e à embriaguez. Numa luta, foi gravemente esfaqueado; ou¬tra vez foi tirado das águas como morto e, ainda doutra vez, caiu de uma árvore sobre uma faca. Nas contendas era sempre o campeão, até que, por fim, numa briga, seus companheiros cegaram-lhe um olho. Deus, contudo, fora misericordioso durante esse período guardando-o com vida para, mais tarde, fazê-lo útil no seu serviço.

Com a idade de 17 anos, foi salvo: aprendeu a ler e, não muito depois, foi chamado a pregar e separado para o ministério. Seus sermões eram secos e sem fruto até que, um dia, em viagem para Maentworg, segurou seu cavalo e en¬trou na mata onde derramou a sua alma em oração a Deus. Como Jacó em Peniel, de lá não saiu antes de receber a bênção divina. Depois daquele dia reconheceu a grande responsabilidade de sua obra; regozijava-se sempre no espírito de oração e surpreendeu-se grandemente com os frutos gloriosos que Deus começou a conceder-lhe. Antes destas coisas, possuía dons e corpo de gigante; porém, depois, foi-lhe acrescentado o espírito de gigante. Era corajoso como um leão e humilde como um cordeiro; não vivia para si, mas para Cristo. Além de ter, por natureza, uma mente ativa e uma maneira tocante de falar, tinha um coração que transbordava de amor para com Deus e o próximo. Verdadeiramente era uma luz que ardia e brilhava. No Sul de Gales andava a pé, pregando, às vezes, cinco sermões num só dia. Apesar de não andar bem vestido e de possuir maneiras desastrosas, afluíam grandes multidões para ouvi-lo. Vivificado com o fogo celestial, subia em espírito como se tivesse asas de anjo e quase sempre levava o auditório consigo. Muitas vezes os ouvintes rompiam em choro e outras manifestações, coisas que não podiam evi¬tar. Por isso eram conhecidos por "Saltadores Galeses".

Era convicção de Evans que seria melhor evitar os dois extremos: o excesso de ardor e a frieza demasiada. Porém Deus é um ser soberano, operando de várias maneiras. A alguns Ele atrai pelo amor, enquanto a outros Ele espanta com os trovões do Sinai, para acharem preciosa paz em Cristo. Os vacilantes, às vezes, são por Deus sacudidos sobre o abismo da angústia eterna, até clamarem pedindo misericórdia e acharem gozo indizível. O cálice desses transborda até que alguns, não compreendendo, perguntaram: - "Por que tanto excesso?"

Acerca da censura que faziam dos cultos, Evans escreveu: "Admiro-me de que o gênio mau, chamando-se ‘o anjo da ordem , queira experimentar tornar tudo, na adoração a Deus, em coisa tão seca como o monte Gilboa. Esses homens da ordem desejam que o orvalho caia e o sol brilhe sobre todas as suas flores, em todos os lugares, menos nos cultos ao Deus todo-poderoso. Nos teatros, nos bares e nas reuniões políticas, os homens comovem-se, entusiasmam-se e são tocados de fogo como qualquer ‘Saltador Galês‘. Mas, segundo eles desejam, não deve haver coisa alguma que dê vida e entusiasmo à religião! Irmãos, meditai nisto! - Tendes razão, ou estais errados?"

Conta-se que, em certo lugar, havia três pregadores para falar, sendo Evans o último. Era um dia de muito calor; os primeiros dois sermões foram muito longos, de forma que todos os ouvintes ficaram indiferentes e quase exaustos. Porém, depois de Evans haver pregado cerca de quinze minutos, sobre a misericórdia de Deus, tal qual se vê na parábola do Filho Pródigo, centenas dos que estavam sentados na relva, repentinamente, ficaram em pé. Alguns choravam e outros oravam sob grande angústia. Foi impossível continuar o sermão: o povo continuou a chorar e orar durante o dia inteiro e de noite até amanhecer. Na ilha de Anglesey, porém, Evans teve de enfrentar certa doutrina chefiada por um orador eloqüente e instruída. Na luta contra o erro dessa seita, começou a esfriar espiritualmente. Depois de alguns anos, não mais possuía o espírito de oração nem o gozo da vida cristã. Mas ele mes¬mo descreveu como buscou e recebeu de novo a unção do poder divino que fez a sua alma abrasar-se ainda mais do que antes:

"Não podia continuar com o meu coração frio para com Cristo, sua expiação e a obra de seu Espírito. Não suportava o coração frio no púlpito, na oração particular e no estudo, especialmente quando me lembrava de que durante quinze anos o meu coração se abrasava como se eu andasse com Jesus no caminho de Emaús. Chegou o dia, por fim,que nunca mais esquecerei. Na estrada de Dolgelly, senti-me obrigado a orar, apesar de ter o coração endurecido e o espírito carnal. Depois de começar a suplicar, senti como que pesados grilhões me caíssem e como que montanhas de gelo se derretessem dentro de mim. Com esta manifestação, aumentou em mim a certeza de haver recebido a promessa do Espírito Santo. Parecia-me que meu espírito inteiro fora solto de uma prisão prolongada, ou como se estivesse saindo do túmulo num inverno muitíssimo frio. Correram-me abundantemente as lágrimas e fui constrangido a clamar e pedir a Deus o gozo da sua salvação, e que Ele visitasse, de novo, as igrejas de Anglesey que estavam sob meus cuidados. Tudo entreguei nas mãos de Cristo... No primeiro culto depois, senti-me como que removido da região estéril e frígida de gelo espiritual, para as terras agradáveis das promessas de Deus. Comecei, então, de novo os primeiros combates em oração, sentindo um forte anelo pela conversão de pecadores, tal como tinha sentido em Leyn. Apoderei-me da promessa de Deus. O resultado foi, que vi, ao voltar a casa, o Espírito operar nos irmãos de Anglesey, dando-lhes o espírito de oração com importunação."

Passou então o grande avivamento do pregador ao povo em todos os lugares da ilha de Anglesey e em todo o Gales. A convicção de pecado, como grandes enchentes passava sobre os auditórios. O poder do Espírito Santo operava até o povo chorar e dançar de alegria. Um dos que assistiram ao seu famoso sermão sobre o Endemoninhado Gadareno, conta como Evans retratou tão fielmente a cena do livramento do pobre endemoninhado, a admiração do povo ao vê-lo liberto, o gozo da esposa e dos filhos quando voltou a casa, curado, que o auditório rompeu em grande riso e choro. Alguém assim se expressou: "O lugar tornou-se um verdadeiro ‘Boquim‘ de choro" (Juízes 2.1-5). Outro ainda disse que o povo do auditório ficou como os habitantes duma cidade abalada por um terremoto, correndo para fora, prostrando-se em terra e clamando a Deus. Não semeava pouco, portanto colhia abundantemente; ao ver a abundância da colheita, sentia seu zelo arder de novo, seu amor aumentar e era levado a trabalhar ainda mais. A sua firme convicção era de que nem a melhor pessoa pode salvar-se sem a operação do Espírito Santo e nem o coração mais rebelde pode resistir ao poder do mesmo Espírito. Evans sempre tinha um alvo quando lutava em oração: firmava-se nas promessas de Deus, suplicando com tanta importunação como quem não podia desistir antes de receber. Dizia que a parte mais gloriosa do ministério do pregador era o fato de agradecer a Deus pela operação do Espírito Santo na conversão dos pecadores.

Como vigia fiel, não podia pensar em dormir enquanto a cidade se incendiava. Humilhava-se perante Deus, ago¬nizando pela salvação de pecadores, e de boa vontade gastou suas forças físicas, ou mentais, pregou o último sermão, sob o poder de Deus, como de costume. Ao findar disse: "Este é meu último sermão". Os irmãos entenderam que se referira ao último sermão naquele lugar. Caiu doen¬te, porém, na mesma noite. Na hora da sua morte, três dias depois, dirigiu-se ao pastor, seu hospedeiro, com estas palavras: "O meu gozo e consolação é que, depois de me ocupar na obra do santuário durante cinqüenta e três anos, nunca me faltou sangue na bacia‘. Prega Cristo ao povo". Então, depois de cantar um hino, disse: "Adeus! Adeus!" e faleceu.

A morte de Christmas Evans foi um dos eventos mais solenes em toda a história do principado de Gales. Houve choro e pranto no país inteiro.

O fogo do Espírito Santo fez os sermões deste servo de Deus abrasar de tal forma os corações, que o povo da sua geração não podia ouvir pronunciar o nome de Christmas Evans sem ter uma lembrança vivida do Filho de Maria na manjedoura de Belém; do seu batismo no Jordão; do jardim do Getsêmani; do tribunal de Pilatos; da coroa de es¬pinhos; do monte Calvário; do Filho de Deus imolado no altar, e do fogo santo que consumia todos os holocaustos, desde os dias de Abel até o dia memorável em que esse fogo foi apagado pelo sangue do Cordeiro de Deus.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Guilherme Carey – Série Heróis da Fé Pai das missões modernas - (1761-1834)


Guilherme Carey – Série Heróis da Fé
Pai das missões modernas - (1761-1834)

O menino Guilherme Carey, era apaixonado pelo estu­do da natureza. Enchia seu quarto de coleções de insetos, flores, pássaros, ovos, ninhos, etc. Certo dia, ao tentar al­cançar um ninho de passarinhos, caiu de uma árvore alta. Ao experimentar a segunda vez, caiu novamente. Insistiu a terceira vez: caiu e quebrou uma perna. Algumas semanas depois, antes de a perna sarar, Guilherme entrou em casa com o ninho na mão. – “Subiste à árvore novamente?!” -exclamou sua mãe. – “Não pude evitar, tinha de possuir o ninho, mamãe” – respondeu o menino.

Diz-se que Guilherme Carey, fundador das missões atuais, não era dotado de inteligência superior e nem de qualquer dom que deslumbrasse os homens. Entretanto, foi essa característica de persistir, com espírito indômito e inconquistável, até completar tudo quanto iniciara, que fez o segredo do maravilhoso êxito da sua vida.

Quando Deus o chamava a iniciar qualquer tarefa, per­manecia firme, dia após dia, mês após mês e ano após ano,até acabá-la. Deixou o Senhor utilizar-se de sua vida, não somente para evangelizar durante um período de quarenta e um anos no estrangeiro, mas também para executar a fa­çanha por incrível que pareça, de traduzir as Sagradas Es­crituras em mais que trinta línguas.

O avô e o pai do pequeno Guilherme eram sucessiva­mente professor e sacristão (Igreja Anglicana) da Paró­quia. Assim o filho aprendeu o pouco que o pai podia ensi­nar-lhe. Mas não satisfeito com isso, Guilherme continuou seus estudos sem mestre.

Aos doze anos adquiriu um exemplar do Vocabulário Latino, por Dyche,. o qual decorou. Aos quatorze anos ini­ciou a carreira como aprendiz de sapateiro. Na loja encon­trou alguns livros, dos quais se aproveitou para estudar. Assim iniciou o estudo do grego. Foi nesse tempo que che­gou a reconhecer que era um pecador perdido, e começou a examinar cuidadosamente as Escrituras.

Não muito depois da sua conversão, com 18 anos de idade, pregou o seu primeiro sermão. Ao reconhecer que o batismo por imersão é bíblico e apostólico, deixou a deno­minação a que pertencia. Tomava emprestados livros para estudar e, apesar de viver em pobreza, adquiria alguns li­vros usados. Um de seus métodos para aumentar o conhe­cimento de outras línguas, consistia em ler diariamente a Bíblia em latim, em grego e em hebraico.

Com a idade de vinte anos, casou-se. Porém os membros da igreja onde pregava eram pobres e Carey teve de continuar seu ofício de sapateiro para ganhar o pão coti­diano. O fato de o senhor Old, seu patrão, exibir na loja um par de sapatos fabricados por Guilherme, como amostra, era prova da habilidade do rapaz.

Foi durante o tempo que ensinava geografia em Moul­ton, que Carey leu o livro As Viagens do Capitão Cook e Deus falou à sua alma acerca do estado abjeto dos pagãos sem o Evangelho. Na sua tenda de sapateiro afixou na pa­rede um grande mapa-mundi, que ele mesmo desenhara cuidadosamente. Incluíra neste mapa todos os dizeres dis­poníveis: o número exato da população, a flora e a fauna, as características dos indígenas, etc., de todos os países.Enquanto consertava sapatos, levantava os olhos, de vez em quando, para o mapa e meditava sobre as condições dos vários povos e a maneira de os evangelizar. Foi assim que sentiu mais e mais a chamada de Deus para preparar a Bíblia, para os muitos milhões de indus, na própria língua deles.

A denominação a que Guilherme pertencia, depois de aceitar o batismo por imersão, achava-se em grande deca­dência espiritual. Isto foi reconhecido por alguns dos mi­nistros, os quais concordaram em passar “uma hora em oração na primeira segunda-feira de todos os meses” pe­dindo de Deus um grande avivamento da denominação. De fato esperavam um despertamento, mas, como aconte­ce muitas vezes, não pensaram na maneira em que Deus lhes responderia.

As igrejas de então não aceitavam a idéia, que conside­ravam absurda, de levar o Evangelho aos pagãos. Certa vez, numa reunião do ministério, Carey levantou-se e su­geriu que ventilassem este assunto: O dever dos crentes em promulgar o Evangelho às nações pagãs. O venerável pre­sidente da reunião, surpreendido, pôs-se em pé e gritou: “Jovem, sente-se! Quando agradar a Deus converter os pa­gãos, ele o fará sem o seu auxílio, nem o meu.”

Porém o fogo continuou a arder na alma de Guilherme Carey. Durante os anos que se seguiram esforçou-se inin­terruptamente, orando, escrevendo e falando sobre o as­sunto de levar Cristo a todas as nações. Em maio de 1792, pregou seu memorável sermão sobre Isaías 54.2,3: “Amplia o lugar da tua tenda, e as cortinas das tuas habitações se estendam; não o impeças; alonga as tuas cordas, e firma bem as tuas estacas. Porque transbordarás à mão direita e à esquerda; e a tua posteridade possuirá as nações e fará que sejam habitadas as cidades assoladas.”

Discursou sobre a importância de esperar grandes coi­sas de Deus e, em seguida, enfatizou a necessidade de ten­tar grandes coisas para Deus.

O auditório sentiu-se culpado de negar o Evangelho aos países pagãos, a ponto de “levantar as vozes em choro.” Foi então organizada a primeira sociedade missionária na história das igrejas de Cristo para a pregação do Evangelho entre os povos nunca evangelizados. Alguns como Brainerd, Eliot e Schwartz já tinham ido pregar em lugares distantes, mas sem que as igrejas se unissem para susten­tá-los.

Apesar de a sociedade ser o resultado da persistência e esforços de Carey, ele mesmo não tomou parte na sua for­mação. O seguinte, porém, foi escrito acerca dele nesse tempo:

“Aí está Carey, de estatura pequena, humilde de espí­rito, quieto e constante; tem transmitido o espírito missio­nário aos corações dos irmãos, e agora quer que saibam da sua prontidão em ir onde quer que eles desejem, e está bem contente que formulem todos os planos”.

Nem mesmo com esta vitória, foi fácil para Guilherme Carey concretizar o sonho de levar Cristo aos países que ja­ziam nas trevas. Dedicava o seu espírito indômito a alcan­çar o alvo que Deus lhe marcara.

A igreja onde pregava não consentia que deixasse o pastorado: somente com a visita dos membros da sociedade a ela é que este problema foi resolvido. No relatório da igreja escreveram: “Apesar de concordar com ele, não achamos bom que nos deixe aquele a quem amamos mais que a nos­sa própria alma.”

Entretanto, o que mais sentiu foi quando a sua esposa recusou terminantemente deixar a Inglaterra com os fi­lhos. Carey estava tão certo de que Deus o chamava para trabalhar na Índia que nem por isso vacilou.

Havia outro problema que parecia insolúvel: Era proi­bida a entrada de qualquer missionário na Índia. Sob tais circunstâncias era inútil pedir licença para entrar. Nestas condições, conseguiram embarcar sem esse documento. In­felizmente o navio demorou algumas semanas e, pouco an­tes de partir, os missionários receberam ordem de desem­barcar.

A sociedade missionária, apesar de tantos contratem­pos, continuou a confiar em Deus; conseguiram granjear dinheiro e compraram passagem para a Índia em um navio dinamarquês. Uma vez mais Carey rogou à sua querida es­posa que o acompanhasse. Ela ainda persistia na recusa e nosso herói, ao despedir-se dela, disse: “Se eu possuísse o mundo inteiro, daria alegremente tudo pelo privilégio de levar-te e os nossos queridos filhos comigo; mas o sentido do meu dever sobrepuja todas as outras considerações. Não posso voltar para trás sem incorrer em culpa a minha alma.”

Porém, antes de o navio partir, um dos missionários foi à casa de Carey. Grande foi a surpresa e o regozijo de todos ao saberem que esse missionário conseguiu induzir a espo­sa de Carey a acompanhar o seu marido. Deus comoveu o coração do comandante do navio a levá-la em companhia dos filhos, sem pagar passagem.

Certamente a viagem a vela não era tão cômoda como nos vapores modernos. Apesar dos temporais, Carey apro­veitou-se do ensejo para estudar o bengali e ajudar um dos missionários na obra de verter o livro de Gênesis para a língua bengaleza.

Guilherme Carey aprendeu suficiente o bengali, duran­te a viagem, para conversar com o povo. Pouco depois de desembarcar, começou a pregar e os ouvintes vinham para ouvir em número sempre crescente.

Carey percebeu a necessidade imperiosa de o povo pos­suir a Bíblia na própria língua e, sem demora, entregou-se à tarefa de traduzi-la. A rapidez com que aprendeu as línguas da Índia é uma admiração para os maiores lingüis­tas.

Ninguém sabe quantas vezes o nosso herói se mostrou desanimadíssimo na Índia. A esposa não tinha interesse nos esforços de seu marido e enlouqueceu. A maior parte dos ingleses com quem Carey teve contato, o tinham como louco; durante quase dois anos nenhuma carta da Inglater­ra lhe chegou às mãos. Muitas vezes faltava aos seus di­nheiro e alimento. Para sustentar a família, o missionário tornou-se lavrador da terra e empregou-se em uma fábrica de anil.

Durante mais de trinta anos Carey foi professor de línguas orientais no colégio de Fort Williams. Fundou tam­bém, o Serampore College para ensinar os obreiros. Sob a sua direção, o colégio prosperou, preenchendo um grande vácuo na evangelização do país.

Ao chegar à Índia, Carey continuou os estudos que co­meçara quando menino. Não somente fundou a Sociedade de Agricultura e Horticultura, mas criou um dos melhores jardins botânicos, redigiu e publicou o “Hortus Bengalensis”. O livro “Flora Índica”, outra de suas obras, foi consi­derada obra-prima por muitos anos.

Não se deve concluir, contudo, que, para Guilherme Carey, a horticultura fosse mais do que um passatempo. Passou, também, muito tempo ensinando nas escolas de crianças pobres. Mas, acima de tudo, sempre lhe ardia no coração o desejo de se esforçar na obra de ganhar almas.

Quando um de seus filhos começou a pregar, Carey es­creveu: “Meu filho, Félix, respondeu à chamada para pre­gar o Evangelho”. Anos depois, quando esse filho aceitou o cargo de embaixador da Grã Bretanha no Sião, o pai, desa­pontado e angustiado, escreveu para um amigo: “Félix en­colheu-se até tornar-se um embaixador!”

Durante o período de quarenta e um anos, que passou na Índia, não visitou a Inglaterra. Falava, embora com di­ficuldade, mais de trinta línguas da Índia, dirigia a tradu­ção das Escrituras em todas elas e foi apontado ao serviço árduo de tradutor oficial do governo. Escreveu várias gra­máticas indianas e compilou notáveis dicionários dos idio­mas bengali, marati e sânscrito. O dicionário do idioma bengali consta de três volumes e inclui todas as palavras da língua, traçadas até a sua origem e definidas em todos os seus sentidos.

Tudo isto era possível porque sempre economizava o tempo, segundo se deduz do que escreveu seu biógrafo:

“Desempenhava estas tarefas hercúleas sem pôr em risco a sua saúde, aplicando-se metódica e rigorosamente ao seu programa de trabalho, ano após ano. Divertia-se, passando de uma tarefa para outra. Dizia que se perde mais tempo, trabalhando inconstante e indolentemente do que nas interrupções de visitas. Observava, portanto, a norma de entrar, sem vacilar, na obra marcada e de não deixar coisa alguma desviar a sua atenção para qualquer outra coisa durante aquele período.”O seguinte escrito pedindo desculpas a um amigo pela demora em responder-lhe a carta, mostra como muitas das suas obras avançavam juntas:

“Levantei-me hoje às seis, li um capítulo da Bíblia hebraica; passei o resto do tempo, até às sete, em oração. Então assisti ao culto doméstico em bangali, com os cria­dos. Enquanto esperava o chá, li um pouco em persa com um munchi que me esperava; li também, antes de comer, uma porção das Escrituras em industani. Logo depois de comer sentei-me, com um pundite que me esperava, para continuar a tradução do sânscrito para o ramayuma. Tra­balhamos até as dez horas, quando então fui ao colégio para ensinar até quase as duas horas. Ao voltar para casa, li as provas da tradução de Jeremias em bengali, só findan­do em tempo para jantar. Depois do jantar, traduzi, ajuda­do pelo pundite chefe do colégio, a maior parte do capítulo oito de Mateus em sânscrito. Nisto fiquei ocupado até as seis. Depois das seis assentei-me com um pundite de Te­linga, para traduzir do sânscrito para a língua dele. Às sete comecei a meditar sobre a mensagem para um sermão e preguei em inglês, às sete e meia. Cerca de quarenta pes­soas assistiram ao culto, entre as quais, um juiz do Sudder Dewany’dawlut. Depois do culto, o juiz contribuiu com 500 rupias para a construção de um novo templo. Todos os que assistiram ao culto tinham saído às nove horas; sentei-me para traduzir o capítulo onze de Ezequiel para o bengali. Findei às onze, e agora estou escrevendo esta carta. De­pois, encerrei o dia com oração. Não há dia em que dispo­nha de mais tempo do que isto, mas o programa varia.”

Com o avançar da idade, seus amigos insistiam em que diminuísse os seus esforços, mas a sua aversão à inatividade era tal, que continuava trabalhando mesmo quando a força física não dava para a necessária energia mental. Por fim, viu-se obrigado a ficar de cama, onde continuava a corrigir as provas das traduções.

Finalmente, em 9 de junho de 1834, com a idade de 73 anos, Guilherme Carey dormiu em Cristo.

A humildade era uma das características mais destaca­das da sua vida. Conta-se que, no zênite da fama, ouviu certo oficial inglês perguntar cinicamente: – “O grande doutor Carey não era sapateiro?” Carey, ao ouvir casual­mente a pergunta, respondeu: “- Não, meu amigo, era apenas um remendão.”

Quando Guilherme Carey chegou à Índia, os ingleses negaram-lhe permissão para desembarcar. Ao morrer, po­rém, o governo mandou içar as bandeiras a meia haste em honra de um herói que fizera mais para a Índia do que to­dos os generais britânicos.

Calcula-se que traduziu a Bíblia para a terça parte dos habitantes do mundo. Assim escreveu um de seus sucesso­res, o missionário Wenger: “Não sei como Carey conseguiu fazer nem a quarta parte das suas traduções. Faz cerca de vinte anos (em 1855), que alguns missionários, ao apresen­tarem o Evangelho no Afeganistão (país da Ásia central), acharam que a única versão que esse povo entendia era o Pushtoo, feita em Sarampore por Carey.”

O corpo de Guilherme Carey descansa, mas a sua obra continua a servir de bênção a uma grande parte do mundo.



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Davi Brainerd -(1718 – 1747) Um Arauto aos Peles - Vermelhas


Davi Brainerd -(1718 – 1747)
Um Arauto aos Peles - Vermelhas

      Certo jovem, franzino de corpo, mas tendo na alma o fogo do amor aceso por Deus, encontrou-se na floresta, para ele desconhecida. Era tarde e o sol já declinava até quase desaparecer no horizonte, quando o viajante, enfadado da longa viagem, avistou a fumaça das fogueiras dos índios “peles-vermelhas”. Depois de apear e amarrar seu cavalo, deitou-se no chão para passar a noite, agonizando em oração.
Sem ele o saber, alguns dos silvícolas o haviam seguido silenciosamente, como serpentes, durante a tarde. Agora estacionavam atrás dos troncos das árvores para contemplar a cena misteriosa de um vulto de cara pálida, sozinho, prostrado no chão, clamando a Deus.

Os guerreiros da vila resolveram matá-lo, sem demora, pois, diziam, os brancos davam uma aguardente aos peles-vermelhas, para, enquanto bêbados, levar-lhes as cestas e as peles de animais, e roubar-lhes as terras. Mas depois de cercarem furtivamente o missionário, que orava,prostrado, e ouvirem como clamava ao “Grande Espírito”, insistindo que lhes salvasse a alma, eles partiram tão secretamente como chegaram.

No dia seguinte, o moço, não sabendo o que acontecera em redor, enquanto orava no ermo, foi recebido na vila de uma maneira não esperada. No espaço aberto entre as “wigwams” (barracas de peles) os índios o cercaram e o moço, com o amor de Deus ardendo na alma, leu o capítulo 53 de Isaías. Enquanto pregava, Deus respondeu a sua oração da noite anterior e os silvícolas ouviram o sermão, com lágrimas nos olhos.

Esse cara-pálida chamava-se Davi Brainerd. Nasceu em 20 de abril de 1718. Seu pai faleceu quando Davi tinha 9 anos de idade, e sua mãe, filha dum pregador, faleceu quando ele tinha 14 anos.

Acerca de sua luta com Deus, no tempo da sua conversão, na idade de vinte anos, ele escreveu.

“Designei um dia para jejuar e orar, e passei esse dia clamando quase incessantemente a Deus, pedindo misericórdia e que ele abrisse meus olhos para a enormidade do pecado e o caminho para a vida em Jesus Cristo… Contudo, continuei a confiar nas boas obras… Então, uma noite andando na roça, foi me dada uma visão da grandeza do meu pecado, parecendo-me que a terra se abrira por baixo dos meus pès para me sepultar e que a minha alma iria ao Inferno antes de eu chegar em casa… Certo dia, estando longe do colégio, no campo, sozinho em oração, senti tanto gozo e doçura em Deus, que, se eu devesse ficar neste mundo vil, queria permanecer contemplando a glória de Deus. Senti na alma um profundo amor ardente para com todos os homens e anelava que eles desfrutassem desse mesmo amor de Deus.

“No mês de agosto, depois, senti-me tão fraco e doente, como resultado de aplicar-me demais aos estudos, que o diretor do colégio me aconselhou a voltar para casa. Estava tão fraco que tive algumas hemorragias. Senti-me perto da morte, mas Deus renovou em mim o conhecimento e o gosto das coisas divinas. Anelava tanto a presença de Deus e ficar livre do pecado, que, ao melhorar, preferia morrer a voltar ao colégio, e me afastar de Deus…Oh! uma hora com Deus excede infinitamente todos os prazeres do mundo.”

De fato, depois de voltar ao colégio, Brainerd esfriou em espírito, mas o Grande Avivamento, dessa época, alcançou a cidade de New Haven, o colégio de Yale e o coração de Davi Brainerd. Ele tinha o costume de escrever diariamente uma relação dos acontecimentos mais importantes da sua vida, passados durante o dia. É por esses diários escritos para si próprio e não para o mundo ler, que sabemos da sua vida íntima de profunda comunhão com Deus. Os seguintes poucos trechos servem como amostras do que ele escreveu em muitas páginas de seu diário e descobrem algo de sua luta com Deus, enquanto estudava para o ministério:

“Fui tomado repentinamente pelo horror da minha miséria. Então clamei a Deus, pedindo que me purificasse da minha extrema imundícia. Depois a oração se tornou mui preciosa para mim. Ofereci-me alegremente para passar os maiores sofrimentos pela causa de Cristo, mesmo que fosse para ser desterrado entre os pagãos, desde que pudesse ganhar suas almas. Então Deus me deu o espírito de lutar em oração pelo reino de Cristo no mundo.

“Retirei-me cedo, de manhã, para a floresta, e foi-me concedido fervor em rogar pelo avanço do reino de Cristo no mundo. Ao meio-dia, ainda combatia em oração a Deus, e sentia o poder do divino amor na intercessão.

“Passei o dia em jejum e oração, implorando que Deus me preparasse para o ministério, e me concedesse auxílio divino e direção, e que ele me enviasse para a seara no dia que ele designasse. Pela manhã, senti poder na intercessão pelas almas imortais e pelo progresso do reino do querido Senhor e Salvador no mundo… À tarde, Deus estava comigo de verdade. Quão bendita a sua companhia! Ele me concedeu agonizar em oração até ficar com a roupa encharcada de suor, apesar de eu me achar na sombra, e de soprar um vento fresco. Sentia a minha alma grandemente extenuada pela condição do mundo: esforçava-me para arrebatar multidões de almas. Sentia-me mais dilatado pelos pecadores do que pelos filhos de Deus, contudo anelava gastar a minha vida clamando por ambos.”Passei duas horas agonizando pelas almas imortais. Apesar de ser ainda muito cedo, meu corpo estava molhado de suor… Se eu tivesse mil vidas, a minha alma as teria dado pelo gozo de estar com Cristo…

“Dediquei o dia para jejuar e orar, implorando a Deus que me dirigisse e me abençoasse na grande obra que tenho perante mim, a de pregar o Evangelho. Ao anoitecer, o Senhor me visitou maravilhosamente na oração; senti a minha alma angustiada como nunca… Senti tanta agonia que me achava ensopado de suor. Oh! e Jesus suou sangue pelas pobres almas! Eu anelava mostrar mais e mais compaixão para com elas.

“Cheguei a saber que as autoridades esperam a oportunidade de me prender e encarcerar por ter pregado em New Haven. Fiquei mais sóbrio e abandonei toda a esperança de travar amizade com o mundo. Retirei-me para um lugar oculto na floresta e coloquei o caso perante Deus.”

Completados os seus estudos para o ministério, ele escreveu:

“Preguei o sermão de despedida ontem, à noite. Hoje, pela manhã orei em quase todos os lugares por onde andei, e, depois de me despedir dos amigos, iniciei a viagem para o habitat dos índios.”

Essas notas do diário revelam, em parte, a sua luta com Deus enquanto estudava para o ministério. Um dos maiores pregadores atuais, referindo-se a esse diário, declarou: “Foi Brainerd quem me ensinou a jejuar e orar. Cheguei a saber que se fazem maiores coisas por meio de contato cotidiano com Deus do que por pregações.”

No início da história da vida de Brainerd, já relatamos como Deus lhe concedeu entrada entre os silvícolas violentos, em resposta a uma noite de oração, prostrado em terra, nas profundezas da floresta. Mas, apesar de os índios lhe darem a toda hospitalidade, concedendo-lhe um lugar para dormir sobre um pouco de palha e, ouvirem o sermão, comovidos, Brainerd não estava satisfeito e continuava a lutar em oração, como revela seu diário:

“Continuo a sentir-me angustiado. À tarde preguei ao povo, mas fiquei mais desanimado acerca do trabalho do que antes; receio que seja impossível alcançar as almas. Retirei-me e derramei a minha alma pedindo misericórdia, mas sem sentir alívio.

“Completo vinte e cinco anos de idade hoje. Dói-me a alma ao pensar que vivi tão pouco para a glória de Deus. Passei o dia na floresta sozinho, derramando a minha queixa perante o Senhor.

“Cerca das nove horas, saí para orar na mata. Depois do meio-dia, percebi que os índios estavam se preparando para uma festa e uma dança… Em oração, senti o poder de Deus e a minha alma extenuada como nunca antes na minha vida. Senti tanta agonia e insisti com tanta veemência que, ao levantar-me, só consegui andar com dificuldade. O suor corria-me pelo rosto e pelo corpo. Reconheci que os pobres índios se reuniam para adorar demônios e não a Deus; esse foi o motivo de eu clamar a Deus, que se apressasse em frustrar a reunião idólatra. Assim, passei a tarde orando incessantemente, pedindo o auxílio divino para que eu não confiasse em mim mesmo. O que experimentei, enquanto orava, foi maravilhoso. Parecia-me que não havia nada de importância em mim, a não ser santidade de coração e vida, e o anelo pela conversão dos pagãos a Deus. Desapareceram todos os cuidados, receios e anelos; todos juntos pareciam-me de menor importância que o sopro do vento. Anelava que Deus adquirisse para si um nome entre os pagãos e lhe fiz o meu apelo com a maior ousadia, insistindo em que ele reconhecesse que eu ‘o preferia à minha maior alegria.’ De fato, não me importava onde ou como morava, nem da fadiga que tinha de suportar, se pudesse ganhar almas para Cristo. Continuei assim toda a tarde e toda a noite.”

Assim revestido, Brainerd, pela manhã, voltou da mata para enfrentar os índios, certo de que Deus estava com ele, como estivera com Elias no monte Carmelo. Ao insistir com os índios para que abandonassem a dança, eles, em vez de matá-lo, desistiram da orgia e ouviram a sua pregação, de manhã e à tarde.

Depois de sofrer como poucos sofrem, depois de se esforçar de noite e de dia, depois de passar horas inumeráveis em jejum e oração, depois de pregar a Palavra “a tempo e fora de tempo”, por fim, abriram-se os céus e caiu o fogo. Os seguintes excertos do seu diário descrevem algumas dessas experiências gloriosas:

“Passei a maior parte do dia em oração, pedindo que o Espírito fosse derramado sobre o meu povo… Orei e louvei com grande ousadia, sentindo grande peso pela salvação das preciosas almas.

“Discursei à multidão extemporaneamente sobre Isaías 53.10: Todavia, o Senhor agradou moê-lo’. Muitos dos ouvintes entre a multidão de três a quatro mil, ficaram comovidos a ponto de haver um ‘grande pranto, como o pranto de Hadadrimom’. [Ver Zacarias 12.11)

“Enquanto eu andava a cavalo, antes de chegar ao lugar para pregar, senti o meu espírito restaurado e a minha alma revestida com o poder para clamar a Deus, quase sem cessar, por muitos quilômetros a fio.

“De manhã, discursei aos índios onde nos hospedamos. Muitos ficaram comovidos e, ao falar-lhes acerca da salvação da sua alma, as lágrimas correram abundantemente e eles começaram a soluçar e a gemer. À tarde, voltei ao lugar onde lhes costumava pregar; eles ouviram com a maior atenção quase até o fim. Nem a décima parte dos ouvintes pôde conter-se de derramar lágrimas e clamar amargamente. Quanto mais eu falava do amor e compaixão de Deus, ao enviar seu Filho para sofrer pelos pecados dos homens, tanto mais aumentava a angústia dos ouvintes. Foi para mim uma surpresa notar como seus corações pareciam traspassados pelo terno e comovente convite do Evangelho, antes de eu proferir uma única palavra de terror.

“Preguei aos índios sobre Isaías 53.3-10. Muito poder acompanhava a Palavra e houve grande convicção entre os ouvintes; contudo, não tão geral como no dia anterior. Mas a maioria ficou comovida e em grande angústia de alma; alguns não podiam caminhar, nem ficar em pé: caíam no chão como se tivessem o coração traspassado e clamavam sem cessar, pedindo, misericórdia… Os que vieram de lugares distantes foram levados logo à convicção, pelo Espírito de Deus.

“À tarde, preguei sobre Lucas 15.16-23. Havia muita convicção visível entre os ouvintes, enquanto eu discursava; mas, ao falar particularmente, depois, a alguns que se mostravam comovidos, o poder de Deus desceu sobre o auditório ‘como um vento veemente e impetuoso e varreu tudo de uma maneira espetacular.

“Fiquei em pé, admirado da influência que se apoderou do auditório quase totalmente. Parecia, mais que qualquer outra coisa, a força irresistível de uma grande correnteza, ou dilúvio crescente, que derrubava e varria tudo que encontrava na sua frente.

“Quase todos oravam e clamavam, pedindo misericórdia, e muitos não podiam ficar em pé. A convicção que cada um sentiu foi tão grande, que pareciam ignorar por completo os outros em redor, mas cada um continuava a orar por si mesmo.

“Lembrei-me de Zacarias 12.10-12, porque havia grande pranto como o pranto de ‘Hadadrimom’, parecendo que cada um pranteava à parte.

“Parecia-me um dia muito semelhante ao dia em que Deus mostrou seu poder a Josué (Josué 10.14), porque era um dia diferente de qualquer dia que tinha presenciado antes, um dia em que Deus fez muito para destruir o reino das trevas entre esse povo”.

É difícil reconhecer a magnitude da obra de Davi Brainerd entre as diversas tribos de índios, nas profundezas das florestas; ele não entendia os seus idiomas. Se lhes transmitia a mensagem de Deus ao coração, deveria achar alguém que pudesse servir como intérprete. Passava dias inteiros simplesmente orando para que viesse sobre ele o poder do Espírito Santo com tanto poder, que esse povo não pudesse resistir à mensagem. Certa vez teve que pregar por meio de um intérprete tão bêbado, que quase não podia ficar em pé, contudo, vintenas de almas foram convertidas por esse sermão.

Ele andava, às vezes, perdido de noite no ermo, apanhando chuva e atravessando montanhas e pântanos. Franzino de corpo, cansava-se nas viagens. Tinha que suportar o calor do verão e o intenso frio do inverno. Dias a fio passava-os com fome. Já começava a sentir a saúde abalada e estava a ponto de casar-se (sua noiva era Jerusa Edwards, filha de Jônatas Edwards) e estabelecer um lar entre os índios convertidos ou voltar e aceitar o pastorado de uma igreja que o convidava. Contudo, reconhecia que não podia viver, por causa da sua doença, mais que um ou dois anos e resolveu então ”arder até o fim”.

Assim, depois de ganhar a vitória em oração, clamou: “Eis-me aqui, Senhor, envia-me a mim até os confins da terra; envia-me aos selvagens do ermo; envia-me para longe de tudo que se chama conforto da terra; envia-me mesmo para a morte, se for no teu serviço e para promover o teu reino…”

Então acrescentou: “Adeus amigos e confortos terrestres, mesmo os mais anelados de todos. Se o Senhor quiser, gastarei a minha vida, até os últimos momentos, em cavernas e covas da terra, se isso servir para o progresso do Reino de Cristo.”

Foi nessa ocasião que escreveu: “Continuei lutando com Deus em oração pelo rebanho aqui e, especialmente, pelos índios em outros lugares, até a hora de deitar-me. Oh! como senti ser obrigado a gastar o tempo dormindo! Anelava ser uma chama de fogo, constantemente ardendo no serviço divino e edificando o reino de Deus, até o último momento, o momento de morrer.”

Por fim, depois de cinco anos de viagens árduas no ermo, de aflições inumeráveis e de sofrer dores incessantes no corpo, Davi Brainerd, tuberculoso e com as forças físicas quase inteiramente esgotadas, conseguiu chegar à casa de Jônatas Edwards.

O peregrino já completara a sua carreira terrestre e esperava o carro de Deus para levá-lo à Glória. Quando, no seu leito de sofrimento, viu alguém entrar no quarto com a Bíblia, exclamou: “Oh! o querido Livro! Breve hei de vê-lo aberto. Os seus mistérios me serão então desvendados!”

Minguando sua força física e aumentando sua percepção espiritual, falava com mais e mais dificuldade: “Fui feito para a eternidade. Como anelo estar com Deus e prostrar-me perante Ele! Oh! que o Redentor pudesse ver o fruto do trabalho da sua alma e ficar satisfeito!   Oh! vem,Senhor Jesus! Vem depressa! Amém!” – e dormiu no Senhor.

Depois desse acontecimento, a noiva de Brainerd, Jerusa Edwards, começou a murchar como uma flor e, quatro meses depois também foi morar na cidade celeste. Dum lado do seu túmulo, está o de Davi Brainerd e do outro lado está o túmulo de seu pai, Jônatas Edwards.

O desejo veemente da vida de Davi Brainerd era o de arder como uma chama, por Deus, até o último momento, como ele mesmo dizia: “Anelo ser uma chama de fogo, constantemente ardendo no serviço divino, até o último momento, o momento de falecer.”

Brainerd findou a sua carreira terrestre aos vinte e nove anos. Contudo apesar de sua grande fraqueza física, fez mais que a maioria dos homens faz em setenta anos.

Sua biografia, escrita por Jônatas Edwards e revisada por João Wesley, teve mais influência sobre a vida de A. J. Gordon do que qualquer outro livro, exceto a Bíblia. Guilherme Carey leu a história da sua obra e consagrou a sua vida ao serviço de Cristo, e nas trevas da Índia! Roberto McCheyne leu o seu diário e gastou a sua vida entre os judeus. Henrique Martyn leu a sua biografia e se entregou para consumir-se dentro de um período de seis anos e meio no serviço de seu Mestre, na Pérsia.

O que Davi escreveu a seu irmão, Israel Brainerd, é para nós um desafio à obra missionária: “Digo, agora, morrendo, não teria gasto a minha vida de outra forma, nem por tudo que há no mundo.”

Fonte: Livro “Heróis da Fé” de Orlando S. Boyer.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

George Whitefield Pregador ao ar livre (1714-1770)



George Whitefield
Pregador ao ar livre
(1714-1770)

Mais de 100 mil homens e mulheres rodeavam o prega­dor, há mais de duzentos anos, em Cambuslang, Escócia. As palavras do sermão, vivificadas pelo Espírito Santo, ou­viam-se distintamente em todas as partes que formavam esse mar humano. É-nos difícil fazer uma idéia do vulto da multidão de 10 mil penitentes que responderam ao apelo para se entregarem ao Salvador. Estes acontecimentos ser­vem-nos como um dos poucos exemplos do cumprimento das palavras de Jesus: "Na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fa­rá maiores do que estas, porque vou para meu Pai" (João 14.12).

Havia "como um fogo ardente encerrado nos ossos" deste pregador, que era Jorge Whitefield. Ardia nele um zelo santo de ver todas as pessoas libertas da escravidão do pecado. Durante um período de vinte e oito dias fez a incrí­vel façanha de pregar a 10 mil pessoas diariamente. Sua voz se ouvia perfeitamente a mais de um quilômetro de distância, apesar de fraco de físico e de sofrer dos pulmões.Não havia prédio no qual coubessem os auditórios e, nos países onde pregou, armava seu púlpito nos campos, fora das cidades. Whitefield merece o título de príncipe dos pregadores ao ar livre, porque pregava em média dez vezes por semana, e isso fez durante um período de trinta e qua­tro anos, em grande parte sob o teto construído por Deus -os céus.

A vida de Jorge Whitefield era um milagre. Nasceu em uma taberna de bebidas alcoólicas. Antes de completar três anos, seu pai faleceu. Sua mãe casou-se novamente, mas a Jorge foi permitido continuar os estudos na escola. Na pensão de sua mãe, fazia a limpeza dos quartos, lavava roupa e vendia bebidas no bar. Estranho que pareça e ape­sar de não ser salvo, interessava-se grandemente pela lei­tura das Escrituras, lendo a Bíblia até alta noite prepa­rando sermões. Na escola era conhecido como orador: Sua eloqüência era natural e espontânea, um dom extraordiná­rio de Deus, dom que possuía sem ele mesmo saber.

Custeou os próprios estudos em Pembroke College, Ox­ford, servindo como garçom em um hotel. Depois de estar algum tempo em Oxford, ajuntou-se ao grupo de estudan­tes a que pertenciam João e Carlos Wesley. Passou muito tempo, como os demais do grupo, jejuando e esforçando-se para mortificar a carne, a fim de alcançar a salvação, sem compreender que "a verdadeira religião é a união da alma com Deus e a formação de Cristo em nós."

Acerca da sua salvação, escreveu algum tempo antes de morrer: "Sei o lugar onde... Todas as vezes que vou a Ox­ford, sinto-me impelido a ir primeiro a este lugar onde Je­sus se revelou a mim, pela primeira vez, e me deu o novo nascimento".

Com a saúde abalada, talvez pelo excesso de estudo, Jorge voltou a casa para recuperá-la. Resolvido a não cair no indiferentismo, inaugurou uma classe bíblica para jo­vens que, como ele, desejavam orar e crescer na graça de Deus. Visitavam diariamente os doentes e os pobres e, fre­qüentemente, os prisioneiros nas cadeias, para orarem com eles e prestarem-lhes qualquer serviço manual que pudes­sem. Jorge tinha no coração um plano que consistia em pre­parar cem sermões e apresentar-se para ser separado para o ministério. Porém quando havia preparado apenas um sermão, seu zelo era tanto, que a igreja insistia em ordená-lo, tendo penas vinte e um anos apesar de ser regra não aceitar ninguém para tal cargo, com menos de 23 anos.

O dia antes da sua separação para o ministério, passou-o em jejum e oração. Acerca desse fato, ele escreveu: "À tarde, retirei-me para um alto, perto da cidade, onde orei com instância durante duas horas, pedindo a meu favor e também por aqueles que estavam para ser separados comi­go. No domingo, levantei-me de madrugada e orei sobre o assunto da epístola de Paulo a Timóteo, especialmente sobre o preceito: 'Ninguém despreze a tua mocidade'. Quando o ancião me impôs as suas mãos, se meu vil cora­ção não me engana, ofereci todo o meu espírito, alma e cor­po para o serviço no santuário de Deus... Posso testificar; perante os céus e a terra, que dei-me a mim mesmo, quan­do o ancião me impôs as mãos, para ser um mártir por aquele que foi pregado na cruz em meu lugar".

Os lábios de Whitefield foram tocados pelo fogo divino do Espírito Santo na ocasião da sua separação para o mi­nistério. No domingo seguinte, naquela época de gelo espi­ritual, pregou pela primeira vez. Alguns se queixaram de que quinze dos ouvintes enlouqueceram ao ouvirem o ser­mão. O ancião, porém, compreendendo o que se passava, respondeu que seria muito bom, se os quinze não se esque­cessem da sua "loucura" antes de chegar o outro domingo.

Whitefield nunca se esqueceu nem deixou de aplicar a si as seguintes palavras do Doutor Delaney: "Desejo, todas as vezes que subir ao púlpito, considerar essa oportunida­de como a última que me é dada de pregar, e a última dada ao povo de ouvir". Alguém assim escreveu sobre uma de suas pregações: "Quase nunca pregava sem chorar e sei que as suas lágrimas eram sinceras. Ouvi-o dizer: 'Vós me censurais porque choro. Mas, como posso conter-me, quando não chorais por vós mesmos, apesar das vossas al­mas mortais estarem a beira da destruição? Não sabeis se estais ouvindo o último sermão, ou não, ou se jamais tereis outra oportunidade de chegar a Cristo!" Chorava, às vezes, até parecer que estava morto e custava a recuperar as forças. Diz-se que os corações da maioria dos ouvintes eram derretidos pelo calor intenso de seu espírito, como prata na fornalha do refinador.

Quando estudante no colégio de Oxford, seu coração ar­dia de zelo e pequenos grupos de alunos se reuniam no seu quarto, diariamente; eles eram movidos, como os discípu­los logo depois do derramamento do Espírito Santo, no Pentecoste. O Espírito continuou a operar poderosamente nele e por ele durante o resto da sua vida, porque nunca abandonou o costume de buscar a presença de Deus. Divi­dia o dia em três partes: oito horas sozinho com Deus e em estudos, oito horas para dormir e as refeições, oito horas para o trabalho entre o povo. De joelhos, lia, e orava sobre as leituras das Escrituras e recebia luz, vida e poder. Le­mos que numa das suas visitas aos Estados Unidos, "pas­sou a maior parte da viagem a bordo, sozinho em oração". Alguém escreveu sobre ele: "Seu coração encheu-se tanto dos céus que anelava por um lugar onde pudesse agradecer a Deus; e sozinho, durante horas, chorava comovido pelo amor consumidor do seu Senhor". Suas experiências no ministério confirmavam a sua fé na doutrina do Espírito Santo, como o Consolador ainda vivo, o poder de Deus ope­rando atualmente entre nós.

A pregação de Jorge Whitefield era feita de forma tão vivida que parecia quase sobrenatural. Conta-se que, certa vez pregando a alguns marinheiros, descreveu um navio perdido num furacão. Tudo foi apresentado em manifesta­ções tão reais que, quando chegou ao ponto de descrever o barco afundando, alguns marinheiros pularam dos assen­tos, gritando: "Às baleeiras! Às baleeiras!". Em outro ser­mão falou acerca dum cego andando na direção dum pre­cipício desconhecido. A cena foi tão real que, quando o pre­gador chegou ao ponto de descrever a chegada do cego à beira do profundo abismo, o camareiro-mor, Chesterfield, que assistia, deu um pulo gritando: "Meu Deus! ele desa­pareceu!"

O segredo, porém, da grande colheita de almas salvas não era a sua maravilhosa voz nem a sua grande eloqüên­cia. Não era também porque o povo tivesse o coração aberto para receber o Evangelho, porque era tempo de grande decadência espiritual entre os crentes.

Também não foi porque lhe faltasse oposição. Repeti­das vezes Whitefield pregou nos campos, porque as igrejas fecharam-lhe as portas. Às vezes nem os hotéis queriam aceitá-lo como hóspede. Em Basingstoke foi agredido a pauladas. Em Staffordshire atiraram-lhe torrões de terra. Em Moorfield destruíram a mesa que lhe servia de púlpito e arremessaram contra ele o lixo da feira. Em Evesham, as autoridades, antes de seu sermão, ameaçaram prendê-lo, se pregasse. Em Exeter, enquanto pregava a dez mil pes­soas, foi apedrejado de tal forma que pensou haver chega­do para ele a hora, como o ensangüentado Estevão, de ser imediatamente chamado à presença do Mestre. Em outro lugar, apedrejaram-no novamente, até ficar coberto de sangue. Verdadeiramente levava no corpo, até a morte, as marcas de Jesus.

O segredo de tais frutos na sua pregação era o seu amor para com Deus. Quando ainda muito novo, passava noites inteiras lendo a Bíblia, que muito amava. Depois de se converter, teve a primeira daquelas experiências de sentir-se arrebatado, ficando a sua alma inteiramente aberta, cheia, purificada, iluminada da glória e levada a sacrifi­car-se, inteiramente, ao seu Salvador. Desde então nunca mais foi indiferente em servir a Deus, mas regozijava-se no alvo de trabalhar de toda a sua alma, e de todas as suas forças, e de todo seu entendimento. Só achava interesse nos cultos e escreveu para sua mãe que nunca mais volta­ria ao seu emprego. Consagrou a vida completamente a Cristo. E a manifestação exterior daquela vida nunca exce­dia a sua realidade interior, portanto, nunca mostrou can­saço nem diminuiu a marcha durante o resto de sua vida.

Apesar de tudo, ele escreveu: "A minha alma era seca como o deserto. Sentia-me como encerrado dentro duma armadura de ferro. Não podia ajoelhar-me sem estar toma­do de grandes soluços e orava até ficar molhado de suor... Só Deus sabe quantas noites fiquei prostrado, de cama, ge­mendo, por causa do que sentia, e ordenando, em nome de Jesus, que Satanás se apartasse de mim. Outras vezes pas­sei dias e semanas inteiros prostrado em terra, suplicando para ser liberto dos pensamentos diabólicos que me dis­traíam. Interesse próprio, rebelião, orgulho e inveja me atormentavam, um após outro, até que resolvi vencê-los ou morrer. Lutei até Deus me conceder vitória sobre eles".

Jorge Whitefield considerava-se um peregrino errante no mundo, procurando almas. Nasceu, criou-se e diplo­mou-se na Inglaterra. Atravessou o Atlântico treze vezes. Visitou a Escócia quatorze vezes. Foi ao País de Gales vá­rias vezes. Visitou uma vez a Holanda. Passou quatro me­ses em Portugal. Nas Bermudas, ganhou muitas almas para Cristo, como nos demais lugares onde trabalhou.

Acerca do que sentiu em uma das viagens à colônia da Geórgia, Whitefield escreveu: 'Foram-me concedidas ma­nifestações extraordinárias do alto. Cedo de manhã, ao meio-dia, ao anoitecer e à meia-noite, de fato durante o dia inteiro, o amado Jesus me visitava para renovar-me o cora­ção. Se certas árvores perto de Stonehourse pudessem fa­lar, contariam acerca da doce comunhão, que eu e algumas almas amadas desfrutamos ali com Deus, sempre bendito. Às vezes, quando de passeio, a minha alma fazia tais in­cursões pelas regiões celestes, que parecia pronta a aban­donar o corpo. Outras vezes sentia-me tão vencido pela grandeza da majestade infinita de Deus, que me prostrava em terra e entregava-lhe a alma, como um papel em bran­co, para Ele escrever nela o que desejasse. De uma noite nunca me esquecerei. Relampejava excessivamente. Eu pregara a muitas pessoas e algumas ficaram receosas de voltar a casa. Senti-me dirigido a acompanhá-las e apro­veitar o ensejo para as animar a se prepararem para a vin­da do Filho do homem. Oh! que gozo senti na minha alma! Depois de voltar, enquanto alguns se levantavam das suas camas, assombrados pelos relâmpagos que andavam pelo chão e brilhavam duma parte do céu até outra, eu com mais um irmão ficamos no campo adorando, orando, exul­tando ao nosso Deus e desejando a revelação de Jesus dos céus, uma chama de fogo!"

- Como se pode esperar outra coisa a não ser que as multidões, a quem Whitefield pregava, fossem levadas a bus­car a mesma Presença? Na sua biografia há um grande nú­mero de exemplos como os seguintes: "Oh! quantas lágrimas foram derramadas, com forte clamor, pelo amor do querido Senhor Jesus! Alguns desmaiavam e quando re­cobravam as forças, ouviam e desmaiavam de novo. Ou­tros gritavam como quem sente a ânsia da morte. E depois de eu findar o último discurso, eu mesmo senti-me tão ven­cido pelo amor de Deus que quase fiquei sem vida. Contu­do, por fim, revivi e, depois de me alimentar um pouco, es­tava fortalecido bastante para viajar cerca de trinta quilô­metros, até Nottingham. No caminho, a alma alegrou-se cantando hinos. Chegamos quase à meia-noite; depois de nos entregarmos a Deus em oração, deitamo-nos e descan­samos na proteção do querido Senhor Jesus. Oh! Senhor, jamais existiu amor como o teu!"

Então Whitefield continuou, sem cansar: "No dia se­guinte em Fog's Manor, a concorrência aos cultos foi tão grande como em Nottingham. O povo ficou tão quebrantado que, por todos os lados, vi pessoas banhadas em lágri­mas. A palavra era mais cortante que espada de dois gu­mes e os gritos e gemidos alcançavam o coração mais endu­recido. Alguns tinham semblantes pálidos como a palidez de morte; outros torciam as mãos, cheios de angústia; ain­da outros foram prostrados ao chão, ao passo que outros caíam e eram aparados nos braços de amigos. A maior par­te do povo levantava os olhos para os céus, clamando e pe­dindo a misericórdia de Deus. Eu, enquanto os contempla­va, só podia pensar em uma coisa: o grande dia. Pareciam pessoas acordadas pela última trombeta, saindo dos seus túmulos para o juízo."

"O poder da presença divina nos acompanhou até Baskinridge, onde os arrependidos choravam e os salvos ora­vam, lado a lado. O indiferentismo de muitos transformou-se em assombro, e o assombro, depois, em grande alegria. Alcançou todas as classes, idades e caracteres. A embria­guez foi abandonada por aqueles que eram dominados por esse vício. Os que haviam praticado qualquer ato de injus­tiça foram tomados de remorso. Os que tinham furtado fo­ram constrangidos a fazer restituição. Os vingativos pedi­ram perdão. Os pastores ficaram ligados ao seu povo por um vínculo mais forte de compaixão. O culto doméstico foi iniciado nos lares. Os homens foram levados a estudar a Palavra de Deus e a terem comunhão com o seu Pai, nos céus".

Mas não foi somente os países populosos que o povo afluiu para o ouvir. Nos estados Unidos, quando eram ain­da um país novo, ajuntaram-se grandes multidões dos que moravam longe um do outro, nas florestas. O famoso Ben­jamim Franklin, no seu jornal, assim noticiou essas reu­niões: "Quinta-feira o reverendo Whitefield partiu de nos­sa cidade, acompanhado de cento e cinqüenta pessoas a cavalo, com destino a Chester, onde pregou a sete mil ou­vintes, mais ou menos. Sexta-feira pregou duas vezes em Willings Town a quase cinco mil; no sábado, em Newcas­tle, pregou a cerca de duas mil e quinhentas, e na tarde do mesmo dia, em Cristiana Bridge, pregou a quase três mil; no domingo, em White Clay Creek, pregou duas vezes (descansando uma meia hora entre os sermões a oito mil pessoas, das quais, cerca de três mil, tinha vindo a cavalo. Choveu a maior parte do tempo, porém, todos se conserva­ram em pé, ao ar livre".

Como Deus estendeu a sua mão para operar prodígios por meio de seu servo, vê-se no seguinte: Num estrado pe­rante a multidão, depois de alguns momentos de oração em silêncio, Whitefield anunciou de maneira solene o tex­to: "É ordenado aos homens que morram uma só vez, e de­pois disto vem o juízo". Depois de curto silêncio, ouviu-se um grito de horror, vindo dum lugar entre a multidão. Um pregador presente foi até o local da ocorrência, para saber o que tinha acontecido. Logo voltou e disse: - "Irmão Whi­tefield, estamos entre os mortos e os que estão morrendo. Uma alma imortal foi chamada à eternidade. O anjo da destruição está passando sobre o auditório. Clame em alta voz e.não cesse". Então foi anunciado ao povo que um den­tre a multidão havia morrido. Então Whitefield leu a se­gunda vez o mesmo texto: "É ordenado aos homens que morram uma só vez". Do local onde a Senhora Huntington estava em pé, veio outro grito agudo. De novo, um tremor de horror passou por toda a multidão quando anunciaram que outra pessoa havia morrido. Whitefield, porém, em vez de ficar tomado de pânico, como os demais, suplicou graça ao Ajudador invisível e começou, com eloqüência tremenda, a prevenir os impenitentes do perigo. Não deve­mos concluir, contudo, que ele era ou sempre solene ou sempre veemente. Nunca houve quem experimentasse mais formas de pregar do que ele.

Apesar da sua grande obra, não se pode acusar White­field de procurar fama ou riquezas terrestres. Sentia fome e sede da simplicidade e sinceridade divina. Dominava to­dos os seus interesses e os transformava para glória do rei­no do seu Senhor. Não ajuntou ao redor de si os seus con­vertidos para formar outra denominação, como alguns es­peravam. Não, apenas dava todo o seu ser, mas queria "mais línguas, mais corpos, mais almas a usar para o Se­nhor Jesus".

A maior parte de suas viagens à América do Norte fo­ram feitas a favor do orfanato que fundara na colônia da Geórgia. Vivia na pobreza e esforçava-se para granjear o necessário para o orfanato. Amava os órfãos ternamente, escrevendo-lhes cartas e dirigindo-se a cada um pelo no­me. Para muitas dessas crianças, ele era o único pai, o úni­co meio de elas terem o sustento. Fez uma grande parte da sua obra evangelística entre os órfãos e quase todos perma­neceram crentes fiéis, sendo que um bom número deles se tornaram ministros do Evangelho.

Whitefield não era de físico robusto: desde a mocidade sofria quase constantemente, anelando, muitas vezes, par­tir e estar com Cristo. A maior parte dos pregadores acham impossível pregar quando estão enfermos como ele.

Assim foi que, aos 65 anos de idade, durante sua sétima viagem à América do Norte, findou a sua carreira na Ter­ra, uma vida escondida com Cristo em Deus e derramada num sacrifício de amor pelos homens. No dia antes de fale­cer, teve de esforçar-se para ficar em pé. Porém, ao levan­tar-se, em Exeter, perante um auditório demasiado grande para caber em qualquer prédio, o poder de Deus veio sobre ele e pregou, como de costume, durante duas horas. Um dos que assistiram disse que "seu rosto brilhava como o sol". O fogo aceso no seu coração no dia de oração e jejum, quando da sua separação para o ministério, ardeu até den­tro dos seus ossos e nunca se apagou (Jeremias 20.9).Certo homem eminente dissera a Whitefield: "Não es­pero que Deus chame o irmão, breve, para o lar eterno, mas quando isso acontecer, regozijar-me-ei ao ouvir o seu testemunho". O pregador respondeu: "Então ficará desa­pontado; morrerei calado. A vontade de Deus é dar-me tan­tos ensejos para testificar dele durante minha vida, que não me serão dados outros na hora da morte".

E sua morte ocorreu como predissera.

Depois do sermão, em Exeter, foi a Newburyport para passar a noite na casa do pastor. Ao subir para o quarto de dormir, virou-se na escada e, com a vela na mão, proferiu uma curta mensagem aos amigos que ali estavam e insis­tiam em que pregasse.

Às duas horas da madrugada acordou. Faltava-lhe o fô­lego e pronunciou para o seu companheiro as suas últimas palavras na Terra: "Estou morrendo".

No seu enterro, os sinos das igrejas de Newburyport dobraram e as bandeiras ficaram a meia-haste. Ministros de toda a parte vieram assistir aos funerais; milhares de pessoas não conseguiram chegar perto da porta da igreja, por causa da imensa multidão. Conforme seu pedido, foi enterrado sob o púlpito da igreja.

Se quisermos os mesmos frutos de ver milhares salvos, como Jorge Whitefield os teve, temos de seguir o seu exem­plo de oração e dedicação.

- Alguém pensa que é tarefa demais? Que diria Jorge Whitefield, junto, agora, com os que levou a Cristo, se lhe fizéssemos essa pergunta?

(extraido do livro hérois da fé)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

BIOGRAFIAS A Tocha Tirada do Fogo João Wesley (1903- 1791)


BIOGRAFIAS  A Tocha Tirada do Fogo
João Wesley (1903- 1791)

O céu, à meia noite, era iluminado pelo reflexo sombrio das chamas que devoravam vorazmente a casa do pastor Samuel Wesley. Na rua, ouviam-se os gritos: "Fogo! Fogo!". Contudo, a família do pastor continuava a dormir tranqüilamente, até que os escombros ardentes caíram sobre a cama de uma filha, Hetty. A menina acordou sobressaltada e correu para o quarto do pai. Sem poder salvar coisa alguma das chamas, a família foi obrigada a sair casa a fora, vestindo apenas as roupas de dormir, numa temperatura gélida.

A ama, ao ser despertada pelo alarme, arrebatou a criança menor, Carlos, do berço. Chamou os outros meninos, insistindo que a seguissem, desceu a escada; porém, João, que então contava cinco anos e meio, ficou dormindo.

Três vezes a mãe, Susana Wesley, que se achava doente, tentou, debalde, subir a escada. Duas vezes o pai tentou, em vão, passar pelo meio das chamas, correndo. Sentindo o perigo, ajuntou a família no jardim, onde todos caíram de joelhos e suplicaram a favor da criança presa pelo fogo.

Enquanto a família orava, João acordou e, depois de tentar descer pela escada, subiu numa mala que estava em frente a uma janela, onde um vizinho o viu em pé. O vizinho chamou outras pessoas e conceberam o plano de um deles subir nos ombros de um primeiro enquanto um terceiro subia nos ombros do segundo, e alcançaram a criança. Dessa maneira, João foi salvo da casa em chamas, apenas instantes antes de o teto cair com grande fragor.

O menino foi levado, pelos intrépidos homens que o salvaram, para os braços do pai. "Cheguem, amigos!", clamou Samuel Wesley, ao receber o filhinho, "ajoelhemo-nos e agradecemos a Deus! Ele me restituiu todos os meus filhos; deixem a casa arder; os meus recursos são suficientes." Quinze minutos depois, casa, livros, documentos e mobiliários, não existiam mais.

Anos depois, em certa publicação, apareceu o retrato de João Wesley e embaixo a representação de uma casa ardendo, com as palavras: "Não é este um tição tirado do fogo?" (Zacarias 3.2).

Encontra-se nos escritos de Wesley, a seguinte referência interessante, desse histórico sinistro: "Em 9 de fevereiro de 1750, durante um culto de vigília, cerca das onze horas da noite, lembrei-me de que era esse o dia e a hora, havia quarenta anos, em que me tiraram das chamas. Aproveitei-me do ensejo para relatar a maravilhosa providência. Os louvores e as ações de graças subiram às alturas e grande foi o regozijo perante o Senhor". Tanto o povo, como João Wesley, já sabiam naquele tempo porque o Senhor o poupara do incêndio.

O historiador Lecky, nomeia o Grande Avivamento como sendo a influência que salvou a Inglaterra de uma revolução, igual à que, na mesma época, deixou a França em ruínas. Dos quatro vultos que se destacaram no Grande Avivamento, João Wesley era o maior. Jônatas Edwards, que nasceu no mesmo ano de Wesley, faleceu trinta e três anos antes dele; Jorge Whitefield, nascido onze anos depois de Wesley, faleceu vinte anos antes dele; e Carlos Wesley continuou o seu itinerário efetivo somente dezoito anos, enquanto João continuou durante meio século.

Mas a biografia deste célebre pregador, para ser completa, deve incluir a história de sua mãe, Susana. De fato, é como certo biógrafo escreveu: "Não se pode traçar a história do Grande Avivamento do século passado (1700), na Inglaterra, sem dar uma grande parte da herança merecida à mãe de João e Carlos Wesley; isso não somente por causa da instrução que inculcou profundamente aos filhos, mas por causa da direção que deu ao avivamento."

A mãe de Susana era filha de um pregador. Esforçada na obra de Deus, casou-se com o eminente ministro, Samuel Annesley. Dos vinte e cinco filhos deste enlace, Susana era a vigésima quarta. Durante a vida, seguiu o exemplo da sua mãe, passando uma hora de madrugada e outra à noite, orando e meditando sobre as Escrituras. Pelo que ela escreveu certo dia, vê-se como se dedicava à oração: "Que Deus seja louvado por todos os dias em que nos comportamos bem. Mas estou ainda descontente, porque não desfruto muito de Deus; sei que me conservo demasiadamente longe dele; anseio ter a alma mais intimamente ligada a Ele pela fé e amor".

João era o décimo-quinto filho dos dezenove filhos de Samuel e Susana Wesley. O que vamos transcrever, escrito pela mãe de João, mostra como ela era fiel em "ordenar a seus filhos e a sua casa depois" dela (Gênesis 18.19): "Para formar a mente da criança, a primeira coisa é vencer-lhe a vontade. A obra de instruir o intelecto leva tempo e deve ser gradual, conforme a capacidade da criança. Mas o subjugar-lhe a vontade deve ser feito de uma vez, e quanto mais cedo tanto melhor... Depois, pode-se governar a criança pela razão e piedade dos pais, até chegar o tempo de a criança poder, também exercer o raciocínio."

Acerca de Samuel e Susana Wesley e seus filhos, o célebre comentador da Bíblia, Adão Clark, escreveu: "nunca li nem ouvi falar duma família; não conheço e nem existe outra, desde os dias de Abraão e Sara, de José e Maria de Nazaré, à qual a raça humana deve tanto."

Susana Wesley acreditava que "aquele que poupa a vara, aborrece a seu filho" (Provérbios 13.24), e não consentia que seus filhos chorassem em voz alta. Assim, apesar de a casa estar repleta de crianças, nunca havia tempos tristonhos nem balbúrdia no lar do pastor. Um filho jamais ganhou coisa alguma chorando, na casa de Susana Wesley.

Susana marcava o quinto aniversário de cada filho como o dia em que deviam aprender o alfabeto; e todos, a não ser dois, cumpriram a tarefa no tempo marcado. No dia seguinte, a criança que completava cinco anos e aprendia o alfabeto, começava o estudo da leitura, iniciando-o com o primeiro versículo da Bíblia.

"Os meninos no lar de Samuel Wesley aprenderam o valor que há em observar fielmente os cultos. Não há em outras histórias fatos tão profundos e atraentes como o que consta acerca dos filhos de Samuel e Susana Wesley, pois antes de saberem ajoelhar-se ou falar, eram instruídos a dar graças pelo alimento, por meio de acenos apropriados. Logo que aprendiam a falar, repetiam a Oração Dominical de manhã e à noite; e eram ensinados, também, a acrescentar outros pedidos, conforme o seu desejo... Ao chegarem à idade própria, um dia da semana era designado a cada filho, para conversar sobre as 'dúvidas e dificuldades'. Na lista aparecem os nomes de João, para quarta-feira, e o de Carlos, para o sábado. E para os filhos, o dia de cada um tornou-se precioso e memorável... É comovente ler o que João Wesley, vinte anos depois de sair da casa paterna disse à sua mãe: "Em muitas coisas a senhora tem intercedido por mim e tem prevalecido. Quem sabe se agora também, na intercessão para que eu renuncie inteiramente o mundo, terá bom êxito?... Sem dúvida será tão eficaz para corrigir o meu coração, como era então para formar o meu caráter."

Depois do espetacular salvamento de João do incêndio, sua mãe, profundamente convencida de que Deus tinha grandes planos para seu filho, resolveu firmemente criá-lo para servir e ser útil na obra de Cristo. Susana escreveu estas palavras nas suas meditações particulares: "Senhor, esforçar-me-ei mais definitivamente em prol desta criança, a qual salvaste tão misericordiosamente. Procurarei transmitir-lhe fielmente ao coração os princípios da tua religião e virtude. Senhor, dá-me a graça necessária para fazer isso sincera e sabiamente, e abençoa os meus esforços com grande êxito!"

Ela era tão fiel, em cumprir sua resolução, que João foi admitido a participar da Ceia do Senhor, com a idade de oito anos.

Nunca se omitia o culto dom éstico do programa do dia, no lar de Samuel Wesley. Fosse qual fosse a ocupação dos membros da família, ou dos criados, todos se reuniam para adorar a Deus. Na ausência do marido, Susana, com o coração aceso pelo fogo dos céus, dirigia os cultos. Conta-se que, certa vez, quando ele prolongou a ausência mais do que de costume, trinta e quarenta pessoas assistiram aos cultos no lar dos Wesley e a fome pela Palavra de Deus aumentou, a ponto de a casa ficar repleta das pessoas da vizinhança que assistiam aos cultos.

A família do pastor Samuel Wesley vivia rodeada de pobreza, mas pela influência do Duque de Buckinghan, conseguiram um lugar para João na Charterhouse, em Londres. Assim, o menino, antes de completar onze anos, deixou a atmosfera fragrante de oração ardente, para enfrentar as porfias de uma escola pública. Contudo, não cedeu ao ambiente de pecado de que estava rodeado. Conservava, também, as suas forças físicas, obedecendo fielmente o conselho de seu pai, que corresse três vezes, de madrugada, em redor do grande jardim da Charterhouse. Tomou como regra da sua vida, dali em diante, manter o vigor do corpo. Aos 80 anos, apesar de seu físico franzino, considerava coisa insignificante andar de pé uma légua e meia, para pregar.

Conta-se um exemplo da influência que João exercia sobre seus colegas de Charterhouse. Certo dia o porteiro sentiu falta dos meninos no terraço de recreio e foi achá-los em uma das salas, congregados em redor de João. Este contava-lhes histórias instrutivas, as quais atraíam mais do que o recreio.

Acerca deste tempo, João Wesley escreveu: "Eu participava de várias coisas que reconhecia como sendo pecado, embora não fossem escandalosas aos olhos do mundo. Contudo, continuei a ler as Escrituras e a orar de manhã e à noite. Baseava a minha salvação sobre os seguintes pontos: 1) Não me considerava tão perverso como o próximo. 2) Conservava a inclinação de ser religioso. 3) Lia a Bíblia, assistia aos cultos e fazia oração".

Depois de estudar seis anos na Charterhouse, Wesley cursou em Oxford, tornando-se proficiente no latim, grego, hebraico e francês. Mas seu interesse principal não era o intelecto. Sobre esse assunto ele escreveu: "Comecei a reconhecer que a religião verdadeira tem a sua fonte no coração... reservei duas horas, todos os dias, para ficar sozinho com Deus. Participava da Ceia do Senhor de oito em oito dias. Guardei-me de todo o pecado, quer de palavras, quer de atos. Assim, na base das boas obras que praticava, eu me considerava um bom crente".

João se esforçava para levantar-se todos os dias às quatro horas. Por meio de anotações que escrevia diariamente de tudo que fazia durante o dia, conseguia dar conta de seu tempo para não desperdiçar um momento. Continuou a observar esse costume até quase o último dia da sua vida.

Certo dia, quando ainda jovem, assistiu a um enterro em companhia de um moço, e conseguiu levá-lo a Cristo, ganhando, assim, a primeira alma para seu Salvador. Alguns meses depois, com a idade de 24 anos, e depois de um período de oração, foi separado para o diaconato.

Enquanto estudava em Oxford, ajuntava-se ali um pequeno grupo dos estudantes para orar, estudar as Escrituras juntos diariamente, jejuar às quartas e sextas-feiras, visitar os doentes e encarcerados e confortar os criminosos na hora da execução. Todas as manhãs e todas as noites cada um passava uma hora orando sozinho em oculto. Nas orações paravam de vez em quando para observarem se oravam com o devido fervor. Sempre oravam ao entrar e ao sair dos cultos na igreja. Três dos membros desse grupo, mais tarde tornaram-se famosos entre os crentes: 1) João Wesley, que talvez tenha feito mais que qualquer outro para aprofundar a vida espiritual, não somente de então, mas também de nosso tempo; 2) Carlos Wesley, que chegou a ser um dos mais espirituais e famosos escritores de hinos evangélicos; e 3) Jorge Whitefield, que se tornou o comovente pregador ao ar livre.

Naquele tempo, sentia-se a influência de João Wesley em muitas partes das Américas, e hoje ainda é sentida. Contudo, passou menos que dois anos neste continente, e isto durante o período da sua vida, quando se achava perturbado por causa de dúvidas. Aceitou a chamada para pregar o Evangelho aos silvícolas na colônia de Geórgia, desejoso de ganhar sua salvação por meio de boas obras. Pensou que vaidade e ostentação mundana não se encontrariam nas matas da América.

Como era característico em sua vida, a bordo do navio em viagem à América do Norte, observava, com outros de seu grupo, um programa para não desperdiçar um momento durante o dia; levantava-se às quatro horas e deitava-se depois das vinte e uma. As primeiras três horas do dia eram dedicadas à oração e estudo das Escrituras. Depois de cumprir tudo que estava indicado no programa do dia, o cansaço era tanto que, não obstante o bramido do mar e o balanço do navio, dormiam sem perturbação, deitados sobre um cobertor estendido no convés.

Na Geórgia, a população inteira afluía à igreja para ouvir a sua pregação. A influência de seus sermões foi tal que, depois de dez dias, uma sala de baile ficou quase inteiramente abandonada, enquanto a igreja se enchia de pessoas que oravam e eram salvas.

Whitefield, que desembarcou na Geórgia alguns meses depois de Wesley voltar à Inglaterra, assim descreveu o que viu: "O êxito de João Wesley na América é indizível. Seu nome é precioso entre o povo, onde lançou os alicerces que nem os homens nem os demônios podem abalar. Oh! que eu possa segui-lo como ele seguiu a Cristo!". Contudo, a Wesley faltava uma coisa muito importante, conforme se vê pelos acontecimentos que o levaram a sair da Geórgia, como ele mesmo escreveu:

"Faz dois anos e quase quatro meses que deixei a minha terra natal para pregar Cristo aos índios da Geórgia; entretanto, o que cheguei eu a saber? Ora, vim a saber o que eu menos esperava: fui à América para converter outros, mas nunca fora realmente convertido a Deus."

Depois de voltar à Inglaterra, João Wesley começou a servir a Deus com a fé de um filho e não mais com a fé dum simples servo. Acerca desse assunto, eis o que ele escreveu: "Não reconhecia que esta fé era dada instantaneamente, que o homem podia sair das trevas para a luz imediatamente, do pecado e da miséria para a justiça e gozo do Espírito Santo. Examinei de novo as Escrituras sobre este ponto, especialmente Atos dos Apóstolos. Fiquei grandemente surpreendido ao ver quase que somente conversões instantâneas; quase nenhuma tão demorada como a de Saulo de Tarso". Desde então começou a sentir mais e mais fome e sede de justiça, a justiça de Deus pela fé.

Fracassara na sua primeira tentativa de pregar o Evangelho na América, porque, apesar de seu zelo e bondade de caráter, o cristianismo que possuía era uma coisa que recebera por instrução. Mas a segunda etapa de seu ministério destacou-se por um êxito fenomenal. E porque o fogo de Deus ardia na sua alma, chegara a ter contato direto com Deus por uma experiência pessoal.

Relatamos aqui, com suas próprias palavras, a sua experiência na qual o Espírito testificou ao seu espírito que era filho de Deus. Essa experiência transformou completa­mente a sua vida.

"Eram quase cinco horas, hoje, quando abri o Novo Testamento e encontrei estas palavras: 'Ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas para que por elas fiqueis participantes da natureza divina" (2 Pedro 1.4). Antes de sair, abri mais uma vez o Novo Testamento para ler estas outras palavras: 'Não estás longe do reino de Deus...' (Marcos 12.34). À noite, senti-me impelido a assistir em Aldersgate... Senti o coração abrasado; confiei em Cristo, somente em Cristo, para a salvação: foi-me dada a certeza de que Ele levara os meus pecados e de que me salvara da lei do pecado e da morte. Comecei a orar com todas as minhas forças... e testifiquei a todos os presentes do que sentia no coração."

Depois dessa experiência em Aldersgate, Wesley aspirava a bênçãos ainda maiores do Senhor, conforme ele mesmo escreveu: "Eu suplicava a Deus que cumprisse todas as suas promessas na minha alma. O Senhor honrou este anelo, em parte, não muito depois, enquanto eu orava com Carlos, Whitefield e cerca de sessenta outros crentes em Fetter Lane". São de João Wesley também estas palavras: "Cerca das três horas da madrugada, enquanto perseverávamos em oração (Romanos 12.12), o poder de Deus nos sobreveio de tal maneira, que bradamos impulsionados de grande gozo e muitos caíram ao chão. A seguir, ao passar um pouco o temor e a surpresa que sentimos na presença da majestade divina, rompemos em uma só voz: 'Louvamos-te, ó Deus, aceitamos-te como Senhor'".

Essa unção do Espírito Santo dilatou grandemente os horizontes espirituais de Wesley; o seu ministério tornou-se excepcionalmente frutuoso e ele trabalhou ininterruptamente durante 53 anos, com o coração abrasado pelo amor divino.

Um pastor prega, em média, cem vezes por ano, mas João Wesley pregou cerca de 780 Vezes por ano, durante 54 anos. Esse homenzinho, com a altura de apenas um metro e sessenta e seis centímetros e pesando menos de sessenta quilos, dirigia-se a grandes multidões e sob as maiores provações. Quando as igrejas lhe fecharam as portas, levantou-se para pregar ao ar livre.

Apesar de enfrentar a apatia espiritual quase geral nos crentes, a par de uma onda de devassidão e crimes no país inteiro, multidões de 5 mil a 20 mil afluíam para ouvir seus sermões. Tornou-se comum, nesses cultos, os pecadores acharem-se tão angustiados, que gritavam e gemiam. Se célebres materialistas, tais como Voltaire e Tomaz Paine, gritaram de convicção ao se encontrarem com Deus no leito de morte, não é de admirar que centenas de pecadores gemessem, gritassem e caíssem ao chão, como mortos, quando o Espírito Santo os levava a sentir a presença de Deus. Multidões de perdidos, assim, tornavam-se novas criaturas em Cristo Jesus, nos cultos de João Wesley. Muitas vezes os ouvintes eram levados às alturas de amor, gozo e admiração; recebiam também visões da perfeição divina e das excelências de Cristo, até ficarem algumas horas como mortos. (Ver Apocalipse 1.17.)

Como todos que invadem o território de Satanás, os irmãos Carlos e João Wesley, tinham de sofrer terríveis perseguições. Em Moorfield os inimigos do Evangelho acabaram com o culto, destruindo a mesa em que João subira para pregar e o insultaram e maltrataram. Em Sheffield, a casa foi demolida sobre a cabeça dos crentes. Em Wednesbury, destruíram as casas, roupas e móveis dos crentes, deixando-os desabrigados, expostos à neve e ao temporal. Diversas vezes João Wesley foi apedrejado e arrastado como morto, na rua. Certa vez foi espancado na boca, no rosto e na cabeça até ficar coberto de sangue.

Mas a perseguição da parte da igreja decadente era a sua maior cruz. Foram denunciados como "falsos profetas", "paroleiros", "impostores arrogantes", "homens destros na astúcia espiritual", "fanáticos", etc. Ao voltar para visitar Epworth, onde nascera e se criara, João assistiu, no domingo, ao culto da manhã e ao culto da tarde, na igreja onde seu pai fora fiel pastor durante muitos anos, mas não lhe foi concedida a oportunidade de falar ao povo. Às dezoito horas, João, em pé, sobre o monumento, que marcava o lugar em que enterraram seu pai, ao lado da igreja, pregou ao maior auditório jamais visto em Epworth - e Deus salvou muitas almas.

Qual a causa de tão grande oposição? Entre os crentes da igreja dormente, alegava-se que eram as suas pregações sobre a justificação pela fé, e a santificação. Os descrentes não gostavam dele porque "levou o povo a se levantar para cantar hinos às cinco da madrugada."

João Wesley não somente pregava mais que os outros pregadores, mas os excedia como pastor, exortando e confortando os crentes, e visitando de casa em casa.

Nas suas viagens, andava tanto a cavalo, como a pé, ora em dias ensolarados, ora sob chuvas, ora em temporais de neve. Durante os 54 anos do seu ministério, andou, em média, mais de 7 mil quilômetros por ano, para alcançar os pontos de pregação.

Esse homenzinho que andava 7 mil quilômetros por ano, ainda tinha tempo para a vida literária. Leu não menos de 1.200 tomos, a maior parte enquanto andava a cavalo. Escreveu uma gramática hebraica, outra de latim, e ainda outras de francês e inglês. Serviu durante muitos anos como redator dum jornal de 56 páginas. O dicionário completo que compilou da língua inglesa era muito popular, e seu comentário sobre o Novo Testamento ainda tem grande circulação. Revisou e republicou uma biblioteca de cinqüenta volumes, reduzindo-a para trinta volumes. O livro que escreveu sobre a filosofia natural teve grande aceitação entre o ministério. Compilou uma obra de quatro volumes sobre a história da Igreja. Escreveu e publicou um livro sobre a história de Roma e outro sobre a da Inglaterra. Preparou e publicou três volumes sobre medicina e seis sobre música para os cultos. Depois da sua experiência em Fetter Lane, ele e seu irmão Carlos, escreveram e publicaram 54 hinários. Diz-se que ao todo escreveu mais que 230 livros.

Esse homem de físico franzino, ao completar 88 anos, escreveu: "Durante mais de 86 anos não experimentei qualquer debilidade de velhice; os olhos nunca escureceram, nem perdi o meu vigor". Com a idade de 70 anos, pregou a um auditório de 30 mil pessoas, ao ar livre, e foi ouvido por todos. Aos 86 anos fez uma viagem à Irlanda, na qual, além de pregar seis vezes ao ar livre, pregou cem vezes em sessenta cidades. Certo ouvinte assim se referiu a Wesley: "Seu espírito era tão vivo como aos 53 anos, quando o encontrei pela primeira vez".

Atribuiu a sua saúde às seguintes regras: 1) Ao exercício constante e ar fresco. 2) Ao fato de nunca, mesmo doente ou com saúde, em terra ou no mar, haver perdido uma noite de sono desde o seu nascimento. 3) À habilidade de dormir, de dia ou de noite, ao sentir-se cansado. 4) Ao fato de observar a regra por mais que sessenta anos de se levantar às 4 horas da manhã. 5) Ao costume de sempre orar às 5 da manhã, durante mais que cinqüenta anos. 6) Ao fato de quase nunca sofrer de dor, desânimo ou cuidado durante a vida inteira.

Não nos devemos esquecer da fonte desse vigor que João Wesley manifestava. Passava duas horas diariamente em oração, e muitas vezes mais. Iniciava o dia às quatro horas. Certo crente que o conhecia intimamente, assim escreveu acerca dele: "Considerava a oração a coisa mais importante da sua vida e eu o tenho visto sair do quarto com a serenidade de alma visível no rosto até quase brilhar".

A qualquer história da vida de João Wesley faltará o ponto principal, se não se fizer menção dos cultos de vigília que se realizavam uma vez por mês entre os crentes. Esses cultos se iniciavam às 20 horas e continuavam até depois da meia-noite - ou até cair o Espírito Santo sobre eles. Baseavam tais cultos sobre as referências no Novo Testamento, de noites inteiras passadas em oração. Foi assim que alguém se referiu ao sucesso: "Explica-se o poder de Wesley pelo fato de ele ser 'homo unius libri', isto é, um homem de um livro, e esse Livro é a Bíblia".

Pouco antes da sua morte, escreveu: "Hoje passamos o dia em jejum e oração para que Deus alargasse a sua obra. Só encerramos depois de uma noite de vigília, na qual o coração de muitos irmãos foi grandemente confortado".

No seu diário, João Wesley escreveu, entre outras coisas, sobre oração e jejum, o seguinte: "Enquanto cursava em Oxford... jejuávamos às quartas e às sextas-feiras, como faziam os crentes primitivos em todos os lugares. Escreveu Epifânio (310-403): 'Quem não sabe que o jejum das quartas e das sextas-feiras é observado pelos crentes do mundo inteiro?"' Wesley continuou: "Não sei porque eles guardavam esses dois dias, mas é boa a regra; se lhes servia, também me serve. Contudo, não quero dar a entender que o único tempo de jejuar seja esses dois dias da semana, porque muitas vezes é necessário jejuar mais do que dois dias. É necessário permanecer sozinho e na presença de Deus, enquanto jejuamos e oramos, para que Deus possa mostrar-nos a sua vontade e dar-nos direção. Nos dias de jejum devemos afastar-nos, o mais possível, de todo serviço, de fazer visitas e das diversões, apesar dessas coisas serem lícitas em outras ocasiões".

Seu gozo em pregar ao ar livre não diminuiu na velhice: Em 7 de outubro de 1790, pregou pela última vez fora de casa, sobre o texto: "O reino de Deus está próximo, arrependei-vos, e crede no Evangelho". "A palavra manifestou-se com grande poder e as lágrimas do povo corriam em torrentes".

Um por um, seus fiéis companheiros de luta, inclusive sua esposa, foram chamados para o descanso, mas João Wesley continuava a trabalhar. Com a idade de 85 anos, seu irmão, Carlos, foi chamado pelo Senhor e João sentou-se perante a multidão, cobrindo o rosto com as mãos, para esconder as lágrimas que lhe corriam pelas faces. Seu irmão a quem amava tanto durante tão longo tempo, partira e ele, agora, tinha de trabalhar sozinho.

Em 2 de março de 1791, com a idade de quase 88 anos, completou a sua carreira terrestre. Durante toda a noite anterior, não cessaram em seus lábios o louvor e a adoração, pronunciando estas palavras: "As nuvens distilam a gordura". Sua alma saltou de alegria com a antecipação das glórias do lar eterno e exclamou: "O melhor de tudo é que Deus está conosco". Então, levantando a mão, como se fosse o sinal da vitória, novamente repetiu: "O melhor de tudo é que Deus está conosco". Às 10 horas da manhã, enquanto os crentes rodeavam o leito, em oração, ele disse: "Adeus!", e assim passou para a presença do Senhor.

Um crente que assistiu à sua morte, assim relatou o ato: "A presença divina pairava sobre todos nós; não existem palavras para descrever o que vimos no seu semblante! Quanto mais o fitávamos, tanto mais víamos parte dos indizíveis céus".

Calcula-se que dez mil pessoas em desfile passaram diante do ataúde para ver o rosto que ainda retinha um sorriso celestial. Por causa das grandes massas que afluíram para honrá-lo, foi necessário enterrá-lo às cinco horas da manhã.

João Wesley nasceu e criou-se em um lar onde não havia abundância de pão. Com a venda dos livros da sua autoria ganhou uma fortuna, com a qual contribuía para a causa de Cristo; ao falecer, deixou no mundo "duas colheres, uma chaleira de prata, um casaco velho" e dezenas de milhares de almas, salvas em épocas de grande decadência espiritual.

A tocha em Epworth foi arrebatada do fogo, em Aldersgate e Fetter Lane começou a arder intensamente, e continua a iluminar milhões de almas no mundo inteiro.

Fonte: Heróis da Fé, CPAD